A questão do uso dos agrotóxicos no Brasil não é polêmica, é econômica e gira na casa dos bilhões! Só em isenção para as corporações que vendem agrotóxicos o Brasil deixa de arrecadar anualmente 10 bilhões em impostos. “Esse pacote de isenções, revelado por um esforço de pesquisa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pelos pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro passou a ser chamado “bolsa-agrotóxico“!
Mas isso é só no Brasil e só em isenções fiscais. No mundo as 10 maiores empresas que produzem agrotóxicos lucram 39.62 bilhões por ano com a agricultura da morte.
O agronegócio diz que é preciso subsidiar a indústria do veneno porque sem ela não seria possível produzir alimentos acessíveis. Mentira! O agronegócio produz mais comódites em grãos e produtos transgênicos que alimento. Na verdade sairia muito mais barato taxar apropriadamente essa indústria da morte e subsidiar a produção de alimentos saudáveis para a população por meio da agricultura familiar, que já produz em torno de 70% do alimento usando apenas 20% das terras aráveis e 30% da água usada na agricultura.
Um estudo publicado na revista Saúde Pública revela que para cada US$ 1 gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no SUS com tratamento de intoxicações agudas — aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação.
Agravando ainda mais os custos que essas empresas empurram para a sociedade, estudos científicos sérios apontam que os casos crônicos de doenças como o câncer causadas pelo uso de agrotóxicos no Brasil são subnotificados. A realidade é que para cada caso notificado existem 50 que passam despercebidos ou são deliberadamente escondidos por essa indústria bilionária (PIRES, D.; CALDAS, E.; RECENA, M.C., 2005)! Isso implica que entre 2007 e 2014, mais de um milhão de brasileiros foram intoxicados por agrotóxicos. Em 2015 o governo deixou de publicar os casos de intoxicação por agrotóxicos o que dificulta muito a continuação das pesquisas.
Esses e outros dados alarmantes estão disponíveis no livro Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Européia, da Dra Larissa Bombardi, uma adaptação da tese de pós doutoramento da autora publicada pela USP.
Mas existem também os custos ambientais, que também são empurrados para a sociedade por essas corporações dos agroquímicos. O Fórum Econômico mundial estima que a pandemia atual custará entre 8.1 a 15.8 TRILHÕES de dólares para a população mundial e quase a totalidade da ciência publicada indica que quanto maior as taxas de desmatamento, quanto mais centralizada a produção, maior o risco de novas pandemias.
Essas corporações bilionárias investem milhões anualmente em propaganda para impedir a disseminação de conhecimento sobre os custos reais de suas ações na saúde, na sociedade e no meio ambiente.
Essa estratégia de marketing é chamada ‘controle de danos’. Nesse momento, a estratégia do governo Bolsonaro no Brasil, por exemplo, é relativizar e questionar os estudos científicos que apontam o impacto negativo do agronegócio no meio ambiente e na saúde, não com pesquisas de igual rigor científico, mas com campanhas propagando falsas informações.
O ‘controle de danos’ visa mitigar danos causados à credibilidade, reputação ou imagem pública dessas empresas de agroquímicos, e consequentemente aos seus lucros. Isso porque as consequências genocidas do uso desses produtos está se tornando uma unanimidade científica que tem informado a população em geral.
Só no Brasil, essa “bolsa-agrotóxico” inclui investimentos públicos milionários em gigantes transnacionais do setor agroquímico. Um levantamento feito pela Repórter Brasil e a Agência Pública mostra que, nos últimos 14 anos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) emprestou R$ 358,3 milhões a empresas agroquímicas (com juros subsidiados pelo governo) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), agência do governo que financia inovação em empresas, transferiu R$ 390 milhões a grandes produtores de pesticidas para pesquisa e inovação. Esses são os valores que bancam a pseudociência em muitas das faculdades de agronomia, engenharia florestal, zootecnia e veterinária no Brasil.
Essa é a estratégia usada pelo agronegócio no Brasil. Vídeos, artigos e memes tem circulado a internet e as mídias sociais, relativizando o impacto ambiental negativo e a gravidade da intoxicação direta e indireta causada pelo uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos nas lavouras e pecuária no Brasil.
Dentro da estratégia de ‘controle de danos’ essa abordagem é chamada de re-enquadramento. Ela consiste na mudança sutil do foco, do enquadramento, tirando do centro do debate a questão dos malefícios causados por esse modelo industrial de produção e fazendo com que as pessoas pensem a discutir, por exemplo, que o Brasil está atrasado em relação a outros países supostamente mais desenvolvidos e que ainda é o país com maior área de florestas em pé.
Entretanto, o que está em questão é que toda a abordagem da agricultura e pecuária industrial está ultrapassada em qualquer lugar e que devastação nenhuma é aceitável. Em todos os países onde é utilizada ela degrada o meio ambiente e a saúde das pessoas enquanto concentra dinheiro, território e poder.
Os setores simpatizantes desse governo, os acadêmicos ‘colonizados’ e os departamentos de marketing dessas corporações seguem estágios dentro da estratégia de ‘controle de danos’.
Primeiro, ignoram os dados e pesquisas contrários ao agronegócio enquanto for possível. Depois ridicularizam e descrevem as pesquisas e a agricultura regenerativa de forma imprecisa. Em último caso conduzem pesquisas e comparações falsas e difamam pessoas e instituições com opinião contrária para, finalmente, desacreditar as alternativas socialmente, ecologicamente e economicamente viáveis. (Mulligan, M. e Hill, S. em Ecological pioneers: A social history of Australian ecological thought and action. 2001).
A contra-inteligência é uma das práticas comuns no “controle de danos”. Ela consiste em inundar os meios de comunicação com desinformação pintando como polêmico ou controverso o fato já comprovado pela ciência de que os agroquímicos causam câncer e outras doenças crônicas graves e que a agricultura industrial é uma das maiores causas do Antropoceno, a sexta maior extinção em massa na história da vida no planeta. Isso, simplesmente porque o consenso científico vai contra o imperativo de lucro de umas poucas corporações internacionais.
A verdade é que a única maneira de alimentar a população mundial sem causar devastação ambiental, doenças crônicas degenerativas e o êxodo rural é com a agricultura familiar agroecológica. São os pequenos produtores rurais ao redor do mundo, na grande maioria mulheres, que produzem de 50 a 75% da comida que alimenta a população mundial.
E elas fazem isso usando apenas de 25 a 30% da terra arável, 30% da água e 20% dos combustíveis fósseis usados na agricultura (Altieri, 2015; Tittonell, 2014).
A verdade econômica também é muito clara! Sem os subsídios fiscais, os perdões anuais de dívidas bilionárias e somando o custo da destruição ambiental e da saúde humana à produção agroindustrial, nenhuma dessas corporações se sustenta economica ou ecologicamente.
A única maneira de garantirmos um futuro com água e ar limpos e alimentos verdadeiramente nutritivos para as próximas gerações é gerindo nossos recursos de maneira socialmente justa, ecologicamente restauradora e economicamente viável e isso só a agricultura familiar agroecológica pode fazer.