A agricultura industrial não é sobre a produção de alimentos, ela é sobre usar o território e a população para criar uma plataforma de escoamento para os produtos petroquímicss e das mineradoras. Os grandes fundos de investimento que possuem as corporações do agronegócio e da transgenia, são os mesmos que possuem as gigantes tecnológicas e as da indústria farmacêutica. Em um momento histórico no qual essas corporações vem roubando dados da agricultura familiar e propondo ainda mais controle por meio da ‘agricultura de precisão’ (completa desumanização, digitalização e automação da agricultura), devemos nos perguntar quem mais se beneficia dessa fusão das gigantes tecnológicas com as corporações do agronegócio, transgenia e farmacêuticas?
O que artigo que segue é uma tradução livre de um programa do Russel Brand e de um artigo escrito pelo Professor Brad Evans. Filósofo político, crítico teórico e autor especializado no problema da violência, o Dr. Brad Evans já escreveu 18 livros e hoje é titular da disciplina Violência Política e Estética na Universidade de Bath, no Reino Unido. O vídeo original pode ser acessado ao final do texto.
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“Na medida em que bilionários e grandes empresas de tecnologia assumem cada vez mais a agricultura e os alimentos que comemos, perguntamos: estamos sendo transformados em uma colônia de alimentos geneticamente modificados?” (Russel Brand, na reportagem original)
É uma pergunta retórica, obviamente. Como mencionei acima, a agricultura industrial não é sobre a produção de alimentos nutritivos e saudáveis. A arquitetura e a engenharia civil não são sobre a construção de moradias e edificações aconchegantes, funcionais, autônomas e energeticamente eficientes. A indústria farmacêutica não é sobre saúde preventiva e bem estar humanos. E, por fim, o sistema econômico não é sobre criar acesso aos recursos, facilitar transações e distribuir renda. Essas áreas transformaram os territórios e as pessoas em plataformas de escoamento para seus produtos petroquímicos, transgênicos, minerados e farmacêuticos e o sistema econômico e o modelo democrático vigente no ocidente, em mecanismos de concentração de renda e poder.
A gestão dos nossos territórios frente crise alimentar sem precedentes mencionada pelo Dr Brad Evans tem semelhanças fortíssimas com a gestão da pandemia frente ao colapso ecológico que vivemos: como cânceres as corporações (e os governos aparelhados) seguem oferecendo soluções que fagocitam as pessoas e o território para gerar lucro sem nunca resolver, de fato, as causas do problema. Nesse contexto, a raiz do problema é a gestão reducionista do território e dos recursos que visa só lucro e é incapaz de resolver o colapso ecológico, social e econômico que ela mesma causa (as chamadas externalidades econômicas).
O cenário que o Dr Brad Evans tão claramente descreve se relaciona diretamente com a Doutrina do Choque, de Naomi Klein. A Doutrina do Choque, como explica Naomi Klein, é uma tática brutal e recorrente adotada pelas corporações e seu lobby sobre os governos que se aproveita de um acontecimento chocante – uma guerra, um golpe de estado, um ataque terrorista, uma quebra do mercado financeiro ou um desastre natural, para explorar a desorientação da população, suspender a democracia, promover políticas radicais que enriquecem o 1% às custas dos pobres e da classe média. Naomi Klein se debruçou por quatro décadas, desde o golpe militar de Pinochet, apoiado pelos Estados Unidos, no Chile dos anos 1970, até o Furacão Katrina em 2005 e a tática é sempre a mesma. Nesses últimos dois anos de pandemia não foi diferente: tivemos a maior transferência de recursos da história para as mãos de um pequeno grupo de bilionários.
Deixo aqui uma aula sobre a Doutrina do Choque antes de seguir para o texto do Dr. Brad Evans, que embora ateste sobre as eficácia das injeções com terapia gênica, alerta sobre os perigos desse tipo de argumento quando usado pela indústria alimentícia.
“O mundo está nas garras de uma perigosa crise alimentar. Trata-se de mais do que simplesmente cadeias alimentares. Levanta questões fundamentais sobre a dependência alimentar e os próprios tipos de alimentos que estarão disponíveis para nós comermos nas próximas décadas. Em um artigo recente na revista médica Lancet, a pesquisa observou como estamos entrando em um período preocupante no que diz respeito ao acesso a alimentos. Citando o relatório global de 2021 sobre crise alimentar, eles apontam como mais de 160 milhões de pessoas em 43 países ao redor do mundo são afetadas pela escassez de alimentos.”
“Mas este não é apenas um problema restrito aos países mais pobres do mundo. Nos Estados Unidos, de acordo com dados do Departamento de Agricultura, cerca de 13,8 milhões de pessoas, cerca de 10% da população, enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar no ano passado. A situação é a mesma no Reino Unido. Como Bee Wilson observou recentemente no Guardian: ‘o Covid trouxe à tona algumas verdades duras sobre o sistema alimentar britânico e o trabalho ruim que ele faz de alimentar a população como um todo. Quando o primeiro bloqueio ocorreu em março de 2020, muitas famílias britânicas em melhor situação puderam continuar comendo como antes, enquanto milhões mergulharam na pobreza alimentar ‘”.
“Bem, parece que as corporações multinacionais de alimentos têm uma solução pronta, o que também revela algumas conexões interessantes com a produção de vacinas.”
“Embora os debates ainda se agravem sobre até que ponto a vacina contra a covid-19 equivale a modificação genética, o que talvez seja menos conhecido é como ela emprestou algumas de suas ideias das estratégias de marketing para alimentos geneticamente modificados ou transgênicos. Além disso, o que marcou uma diferença notável foi como a produção de vacinas foi capaz de contornar vários regulamentos que estavam em vigor, que anteriormente limitavam a disseminação generalizada de alimentos geneticamente modificados. Isso poderia agora ser usado como um catalisador para abrir as comportas, já que os produtores de alimentos exigem o mesmo afrouxamento das regras? O que parece claro é como o sucesso da vacina agora é apresentado por alguns como uma nova maneira de superar as preocupações do público com alimentos transgênicos”.
“Um artigo no Irish Times observou há alguns meses, ‘grupos ambientalistas que se opõem aos organismos geneticamente modificados (OGM) têm sido muito influentes por um tempo considerável e capazes de levantar grandes protestos públicos. Mas o movimento anti-OGM está agora em declínio à medida que a UE e várias organizações ambientais influentes começam a acolher cautelosamente alguns organismos geneticamente modificados. O prego final no caixão anti-OGM provavelmente será o sucesso espetacular da tecnologia genética que acaba de desenvolver várias vacinas altamente eficazes contra a covid 19 no prazo milagrosamente curto de um ano’. O mesmo artigo também aponta como ‘as técnicas de biotecnologia podem ajudar a UE a cumprir as metas de sustentabilidade ambiental’. Para aqueles de nós que estão preocupados com os alimentos que comemos e acreditam nos benefícios das culturas orgânicas, este é um desenvolvimento preocupante.”
“Ao considerar essa questão da dependência alimentar e as tentativas de imposição de alimentos geneticamente modificados, vale olhar para os países já envolvidos na luta. Tomemos aqui o exemplo do México, que é particularmente instrutivo. Os agricultores do país vêm se organizando ativamente contra os alimentos transgênicos há muitos anos e foram essenciais para colocar o assunto na vanguarda da agenda ativista internacional pelo menos desde os protestos em Seattle em 2000. A chave aqui é o milho.”
“A produção de milho no México não é apenas altamente politizada; sua produção vai ao coração das culturas indígenas. Podemos lembrar aqui como uma característica chave do levante zapatista no México em 1994 foi a autonomia e dignidade das culturas alimentares nativas, o que por sua vez levou à criação do que foi chamado de movimento antiglobalização. Mas também tem sido o campo de batalha mais ferozmente combatido no esforço para impor variantes geneticamente modificadas, que literalmente deslocam as culturas nativas com uma variante de milho que coloniza a terra e desloca suas variantes multicoloridas com uma variedade amarela produzida em massa”.
“O México possui atualmente 64 tipos de milho, que são usados em mais de 600 pratos diferentes. No entanto, como Gabriela Galdino observou no Politico, ‘o México está rapidamente se transformando no principal campo de batalha em uma guerra cultural e comercial sobre como o mundo produz seus alimentos’, principalmente em resistência às demandas dos EUA. O que está em jogo aqui é a forma como a produção de alimentos está mirando diretamente nos direitos políticos das pessoas por autonomia. O GM, em suma, agora é como a vacina, propondo ser uma forma de nos salvar de outra catástrofe, pois nos permite ‘alimentar o mundo’.”
“Isso convenientemente ocorre em um momento em que as pessoas vêm fazendo mudanças notáveis nos padrões de consumo de alimentos, exigindo uma produção mais justa e insistindo mais em sua natureza orgânica”.
“Uma das vozes mais famosas sobre a insegurança alimentar continua sendo o ganhado do prêmio Nobel, Amartya Sen. Importante. Para Sen, se as pessoas sofrem de insegurança alimentar dificilmente é devido à escassez de alimentos, mas o que ele chamou de falta de ‘direito’. Em suma, há alimentos saudáveis suficientes disponíveis para alimentar o planeta; o que nos falta são as distribuições políticas e econômicas corretas.”
“Será que nossa solução para esta crise global de alimentos não é engenharia biotecnológica, mas um tipo de engenharia muito mais humana. Um que envolve uma simples redistribuição de renda para que as pessoas possam viver uma vida saudável. Se somos o que comemos, certamente devemos lutar contra os alimentos que nos colonizam?”