Aprendendo com a Agrofloresta na Fazenda Bella

No sábado dia 15 de Setembro (2018) recebemos na Fazenda Bella uma visita informal de uma equipe do Ministério do Desenvolvimento Social que trabalha com o desenvolvimento de políticas públicas para a segurança alimentar. As perguntas trazidas pelo grupo são comuns nas visitas guiadas e cursos na fazenda. Elas também contam a história da evolução dos nossos sistemas e algumas práticas e abordagens que desenvolvemos ao longo desses últimos anos.

Embora já viéssemos fazendo um trabalho sério com a produção de frutas e hortaliças em sistemas agroflorestais desde março de 2015, ano passado a Fazenda Bella ganhou, juntamente com outras pessoas e organizações, o prêmio “Boas Práticas Sustentáveis em Áreas Rurais” da Secretaria de Agricultura do Distrito Federal. O prêmio trouxe mais visibilidade para nosso trabalho como educadores, trazendo um público maior para as visitas guiadas e para os cursos de agrofloresta, permacultura e bioconstrução que acontecem na Fazenda.

Além de buscar mais entendimento sobre como se dá a produção de hortaliças e frutas nos sistemas agroflorestais, a equipe que nos visitou estava interessada na qualidade dos alimentos produzidos, na viabilidade desses sistemas para a agricultura familiar e em como esses sistemas recuperam os processos ecossistêmicos enquanto produzem. Abaixo nós resumimos e agrupamos algumas das perguntas e respostas

Qual a melhor orientação desses sistemas em relação ao aspecto solar?
A resposta, que frequentemente incomoda as pessoas que buscam um entendimento simplificado e metodizado desses sistemas, é que a melhor orientação depende de uma série de variáveis como tipo de produção que será priorizada, qual a direção da inclinação do terreno, o quão íngreme é essa inclinação e qual a latitude da propriedade, por exemplo.

Embora nossos sistemas não tenham sido implementados em curva de nível, eles foram posicionados no sentido leste-oeste e relativamente perpendiculares à inclinação do terreno. No caso da Fazenda Bella, no entanto, o declive é virado para o norte. Escolhemos essa disposição porque, embora exija bastante atenção e manejo para que a quantidade de luz seja ideal, ela favorece a produção de hortaliças, um dos empreendimentos que queríamos desenvolver.

Se tivéssemos um foco maior na produção de frutas e madeiras, nós provavelmente teríamos implementado os sistemas com uma orientação norte-sul. No caso do nosso relevo essa orientação maximizaria o aproveitamento da luz solar.

Qual a distância ideal entre as linhas de árvores?
De novo, não existe ‘receita de bolo’. Os 3 primeiros sistemas que implementamos nós dispusemos as linhas de árvores à 5 metros de distância umas das outras com canteiros de hortaliças nas entrelinhas.

Durante o primeiro ano e meio em que estabelecemos esses 3 sistemas nós não tivemos um foco específico em nenhuma espécie de árvore. Ao contrário, nossa atenção foi na diversificação de espécies para que pudéssemos acelerar nosso aprendizado. Nós também não desenhamos canteiros para a produção de capim para ser usado como cobertura. O que aprendemos foi que, com boas condições de crescimento e nesse espaçamento as copas das árvores de estrato alto podem se fechar muito rapidamente (aproximadamente 2 anos), atrapalhando a produção de hortaliças e demandando trabalho extra com podas para otimizar a entrada de luz. Também pudemos perceber que a produção de hortaliças demandava mais matéria orgânica para a cobertura de canteiros e mais frequentemente que esperávamos.

Como o CEASA do DF fica no caminho que normalmente fazemos para ir e voltar da fazenda para entregas e outros serviços, nós contatamos alguns motoristas de caminhões de entrega que usam palha para proteger seus produtos. Com isso a caminhonete que voltaria vazia, passou a voltar das entregas carregada de palha para cobrir os canteiros. Um recurso de oportunidade, como diz a permacultura.

Um lado positivo dessa disposição de canteiros foi que embora nós não tivéssemos focado em frutíferas específicas para o estrato alto, nós focamos nos cítricos (estrato médio) e café (estrato baixo) e esses espécies se desenvolveram muito bem com essa disposição de canteiros. Nessas áreas nós acrescentamos algumas jabuticabas intercaladas à cada dois pés de café.

Já levando em conta o aprendizado com a implementação e manejo dos primeiros talhões, no ano passado nós implementamos uma área de aproximadamente 4.000m2. Dessa vez as linhas de árvores ficaram espaçadas à cada 8 metros, de forma a otimizar a entrada de luz solar por mais tempo o que por sua vez também mantém a produção de hortaliças por mais tempo.

Outra decisão que tomamos foi a de estabelecer o canteiro de árvores à partir de sementes. Fizemos bastante uso do feijão de porco e do guandú como adubadeiras e para produzir matéria orgânica para cobertura de solo. Também decidimos focar em uma árvore específica para o estrato alto, nesse caso a moringa.

Os canteiros de árvores de desenvolveram muito bem à partir das sementes e mudas de bananeira. Os consórcios de hortaliças também vinham muito bem e deixamos uma área para o cultivo de uma roça entre algumas das linhas de árvore. Nesse caso produzimos feijão, milho, mandioca, abóbora e quiabo. Com aproximadamente 6 meses com uma produção muito boa, as vacas estouraram a cerca elétrica e fizeram um banquete. A roça já havia sido colhida mas perdemos vários cultivos especiais de hortaliça que vínhamos preparando para nossos clientes. Depois de reforçar a cerca e fazer um trabalho de recuperação dos canteiros e novo plantio, a área recuperou bem aprodução.

Como fica a questão da utilização e dependência de insumos externos?
O ideal na implantação desses sistemas é encarar as plantas e a sucessão natural como ferramentas que nos ajudem a melhorar o fluxo energético (maximizando os processos fotossintéticos), a ciclagem de minerais e nutrientes (por meio da poda e cobertura do solo), o ciclo hidrológico (por meio da interação das árvores e suas raizes com a água da chuva e dos lençóis freáticos) e a dinâmica das comunidades (o enriquecimento da biodivesidade no solo e acima dele). No entanto, nem sempre o contexto do produtor rural permite que desenvolvamos essa agricultura de processos e acabamos por ter que utilizar alguns insumos.

Novamente decidimos não plantar capins para cobertura entre as linhas de árvore e hortaliça. Implementamos canteiros de capim ao redor da área como um todo e passamos a usar matéria orgânica dos aceros que fazemos para mitigar os altos riscos de queimada.

Também passamos a produzir nosso próprio adubo orgânico. Temos produzido o bokashi e temos aprendido a prepara-lo de acordo com necessidades e disponibilidades específicas do solo e matérias primas, respectivamente.

É realmente necessário trabalhar com eucaliptos?
Obs: Essa pergunta foi feita no sentido do eucalipto ser uma espécie exótica no Brasil com fama de degradar oslençóis freáticos onde plantado em monocultura.

Mais uma vez a resposta é contextual. Em condições ideais o eucalyptus grandis, espécie mais utilizada nesses sistemas, pode crescer até 4.5 metros por ano. Essa espécie é originária da Austrália, um continente com solos muito antigos e onde a população indígena fez uso do fogo para manejar a paisagem por milhares de anos. Por ter evoluído nessas condições o eucalipto se adapta bem a solos degradados no Brasil gerando muito matéria orgânica para o enriquecimento e cobertura do solo.

No contexto da Fazenda Bella a poda apical dos eucaliptos é feita quando estes atingem em torno de 6 metros de altura. Depois das primeiras podas é comum conseguirmos podar as mesmas árvores até 3 vezes por ano. O manejo de poda é feito nessa altura para produção de caibros utilizados nas bioconstruções da fazenda. No entanto, manter a poda dos eucaliptos nessa altura exige mais conhecimento específico e gasta mais tempo e energia no manejo. Por essas razões é comum ver o eucalipto com poda apical feita tem torno de 2 a 2.5 metros de altura em outros sistemas agroflorestais. O preço e disponibilidade da muda do eucalipto também é um fator que pesa na escolha. Uma vez que a grande maioria dos produtores rurais brasileiros pode facilmente comprar essas mudas por R$0,25 centavos.

A mutamba (Guazuma ulmifolia), uma árvore endêmica das Américas Central e do Sul, é uma ótima opção de árvore de estrato alto para esse tipo de sistemas agroflorestais. A mutamba tem taxa de crescimento semelhante ao do eucalipto, que produz uma fruta da qual pode se extrair um néctar, é melífera, a casca de seu tronco, folhas e frutos são medicinais, pode ser usada como forragem para o gado e outras criações e produz uma madeira melhor (mais densa) que a do eucalipto. No entanto, o preço da muda gira em torno de R$15 Reais e nem sempre pode ser encontrada com facilidade. Na Fazenda Bella estamos investindo na coleta de sementes e propagação de mudas que serão usadas no estabelecimento de novas áreas.

 

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