A maioria dos conflitos geopolíticos, problemas ecológicos e sociais atuais surge da gestão reducionista dos recursos e da escassez energética da matriz fóssil que embasa praticamente toda a atividade econômica no modelo corrente. O desespero e a dor das pessoas que entendem essa dinâmica vem da crença de que os sistemas e soluções que centralizam a renda, o poder, a tomada de decisão (sem representatividade) e o território seguirão linearmente inabalados. Mas o declínio energético que vivemos provavelmente renderá um futuro muito mais regional, plural e descentralizado para a humanidade.
Depois de assistir/ouvir as curadorias de notícias sobre o colapso energético, ecológico e econômico que vivemos e que lançaram o curso Como se Preparar Para o Colapso um participante do canal do Podcast Impacto Positivo no Telegram fez duas perguntas pertinentes em relação ao conjunto de crenças e abordagens que guiam a maneira como uns acirram o colapso enquanto outros se preparam para ele. (Links para as curadorias aqui, aqui e aqui)
A primeira pergunta é se acredito “que a natureza descentralizada e caráter autônomo, sustentável e permanente das propriedades e comunidades que enxergo para o futuro e que chamo de Santuários de Sanidade Mental e Ecológica serão suficientemente eficientes para resistir às investidas do governo e da massa que o empodera?”.
Sobre a violência latente em sociedades que colapsam e possíveis ataques do estabelecimento contra as pessoas que buscam viver de maneira autônoma ele pergunta se devemos nos preocupar com essa possibilidade de boicote e violência ou se o estado global centralizado nunca terá a chance de alcançar eficiência suficiente para se preocupar com nossa existência em suas margens.
As maneiras com as quais escolhemos viver o futuro de escassez energética que já se instala são tão diversas quanto a multiplicidade da mente humana. Desde pelo menos 13 mil anos atrás, a evolução da História da humanidade apresenta um mosaico concomitante de estágios de desenvolvimento das civilizações que vão desde caçadores e coletores até sociedades complexas. Nosso tempo, no entanto, concentra a maior quantidade de pessoas completamente incompetente para suprir suas necessidades mais básicas como moradia, alimentação, água, saúde e mobilidade sem o subsídio da matriz energética fóssil ou de camadas muito complexas de subsídios de serviços prestados por castas cada vez mais pobres dessa iteração de civilização.
De toda forma, eu trago uma resposta do escritor, produtor rural e ativista estadunidense Wendell Berry que é embasada em princípios ecológicos, de bem viver, escala apropriada e responsabilidade pessoal para os desafios que criamos e vivemos.
“Nós reconhecemos que os problemas são grandes, agora, onde está a grande solução? Quando perguntamos ‘qual a grande solução?’, estamos incorrendo que podemos impor essa solução. Mas, para começar, esse é o problema que vivemos. Nós tentamos impor soluções. As soluções não virão da atitude de entrar na fazenda dizendo ‘é isso que quero, é isso que espero de você!’ Você acorda e diz ‘o que você precisa?’. E se compromete consigo mesmo a dizer: ‘certo, não vou causar danos grandes aqui até que eu saiba o que é que você está me pedindo’. E isso não pode ser apressado. Essa é a situação medonha em que os jovens se encontram e eu penso neles e digo: ‘a situação na qual você se encontra é uma que exige muita paciência e paciência em uma emergência é uma prova terrível.”
“Eu digo para as pessoas jovens: ‘não entre nisso com a ideia de que você vai resolver todos os problemas, nem mesmo no tempo de sua vida. O importante é aprender tudo que puder onde você está. E se você vai trabalhar lá, se torna ainda mais importante que você aprenda tudo sobre aquele lugar, que você assuma as causas desse lugar para si, então, se renunciando, se tornando paciente o suficiente para trabalhar com ele por um longo tempo. Aí o que você faz é aumentar a possibilidade de se tornar um bom exemplo e o que estamos buscando nessa situação são bons exemplos. … Nós não temos o direito de questionar se temos tempo para mudar as coisas. O que precisamos fazer é perguntar qual a coisa certa a ser feita e seguir fazendo sem pensar no amanhã (Wendell Berry ).”
Berry aponta para um erro muito comum do nosso tempo: tentar resolver os problemas que criamos com soluções impostas, centralizadas e fora de escala. Uma boa vida, segundo ele, inclui uma agricultura sustentável, tecnologias apropriadas, comunidades rurais saudáveis, pertença, os prazeres da boa comida, integração animal, bom trabalho, economia local, o milagre da vida, fidelidade, frugalidade, reverência e a interconectividade da vida. Como na tradição de O Pequeno é Lindo ( https://en.wikipedia.org/wiki/Small_Is_Beautiful ), de Ernst Friedrich Schumacher, esse bem viver à serviço da comunidade que integramos e do território que habitamos se torna uma providência e uma ética. Providência porque com esses princípios passamos a viver de forma energeticamente superavitária e com isso podemos regenerar o tecido social, a biodiversidade, a economia local e o território. Ética porque ao estabelecer princípios, pertença e funções claras para o nosso viver, permite que cada pessoa ou grupo ocupando seu território possa chegar as soluções ou abordagens que melhor lhes cabe.
Outros pensadores, de uma forma ou de outra, nos alertam sobre a importância de um viver que cria providência frente à escassez energética já instalada.
O Dr. Joseph Tainter, antropólogo que escreveu O Colapso de Civilizações Complexas, explica que na medida em que uma civilização se complexifica ela tem cada vez menos eficiência energética em sua agricultura e extração mineral, no processamento de informação, no controle sócio-político e na produtividade econômica. Tainter nomeou essa relação inversa entre complexidade e energia retornada na energia de investida (EROI – Energy Returned on Energy Invested) como a Lei dos Rendimentos Decrescentes. Tainter não está sozinho quando afirma que o modelo de civilização global que criamos está sujeito a muitos dos mesmos estresses que levaram sociedades mais antigas à ruína.
Mas à partir dos princípios de Berry que criam uma vida boa e aptidão para a escassez energética enquanto permitem brotar soluções locais apropriadas para cada contexto, eu passo para Tainter por uma razão específica – eu não acredito que a elite financeira consiga concentrar energia suficiente para controlar uma população cada vez mais espremida, injustiçada e revoltada. É fato que o conluio das grandes corporações com as agências de inteligência, complexos militares e mídia corporativa tem investido bilhões para censurar toda dissidência e criar uma narrativa única alienante onde a maioria das pessoas se satisfaz em trocar sua autonomia por comodidades. Mas enquanto escrevo esse artigo recebo notícias de que as pessoas em Xangai, na China, estão se revoltando contra as políticas extremas de confinamento nas ruas e saqueando supermercados. Falamos, talvez, da população com maior índice de conformidade com as leis impostas pelo governo se rebelando nas ruas.
Talvez essas sejam as maiores fraquezas da agenda da elite financeira: 1- menosprezar a capacidade das pessoas de transcender condicionamentos alienantes em momentos agudos de crise para retomarem seu poder, autonomia e liberdades e 2- acreditar que pode controlar um número suficiente de pessoas a ponto de conseguir assegurar a base energética necessária para seguir impondo controle a toda população infinitamente.
Nesse sentido acredito que a visão de James Howard Kunstler é importante para conseguirmos ampliar a visão dos futuros possíveis e entender que a continuidade dos sistemas e soluções que centralizam poder é improvável frente à escassez energética que eles mesmos geraram.
“Uma coisa você precisa saber: nós não estamos entrando na esperada anti-utopia robótica do controle por créditos sociais, da gestão por códigos QR, do Fórum Econômico Mundial transumanista de Klaus Schwab. Estamos, ao invés, desviando dos trilhos para uma desordem política histórica épica, algo muito mais desconcertante do que o colapso nítido da década de 1860. Neste novo pandemônio, os melhores de nós se lembrarão do que há de melhor em nós: a liberdade, o estado de direito, a liberdade de expressão e de imprensa, a dignidade do trabalho, nosso senso de obrigação para com o bem comum e o decoro de dizer a verdade. Por enquanto, esforce-se para permanecer são contra todos os incentivos dos ímpios (James Howard Kunstler )“.