O papel da Pecuária Regenerativa na Soberania Alimentar e Biorregionalização das cadeias de produção e consumo pós-pandemia.

O momento que passamos será chave na maneira como rearrumamos os espaços e abordagens de produção, distribuição e consumo de alimentos. A pandemia atual deixa bem claro que o sistema econômico vigente visa apenas o lucro e não o bem estar dos seres humanos e da Mãe Terra.
 
Grande parte da cadeia de produção atual, tanto de carne como de grãos e outros alimentos vegetais, é totalmente dependente dos recursos fósseis. A malha que distribui todo tipo de alimentos hoje também é altamente centralizadora e projetada para beneficiar a produção em grande escala, mas totalmente incapaz de lidar com a relocalização dos sistemas de produção seja por um colapso biológico (uma pandemia), de recursos (escassez de combustíveis) ou econômico (a incapacidade de remunerar a força de trabalho).
 
Isso não acontece por acaso. O agronegócio foi projetado como plataforma de escoamento do petróleo e seus derivados, ele não foi projetado para alimentar a população mundial. Para ser fabricado, o maquinário depende da mineração, que por sua vez também depende dos combustíveis fósseis. A industria que fabrica esses implementos também depende de muita energia para se manter. Quando colocado em uso, esse maquinário depende dos combustíveis para funcionar (arando, plantando, colhendo e armazenando). Os plantios, por sua vez, também dependem de insumos, pesticidas e fungicidas químicos derivados do petróleo.
 
Em seguida toda a cadeia de distribuição depende das embalagens plásticas, de transporte rodoviário, marítimo e, por vezes aéreo, para serem distribuídos. Os consumidores, por sua vez dirigem ou usam os transporte público para chegar aos supermercados e depois voltarem para suas casas. Os resíduos gerados precisam ser coletados, separados e empilhados nos lixões…
 
A cada ano os lucros dos produtores do agronegócio caem porque sua maneira de produzir repleta o solo, a água e a biodiversidade que embasa a vida. As dívidas crescem todo ano e a viabilidade econômica desse modelo de produção depende da socialização dos prejuízos, com o Estado pagando as dívidas. Enquanto os lucros ficam privatizados nas mãos das corporações.
 
Entretanto, não há ABSOLUTAMENTE nada de errado com esse sistema. Ele faz exatamente o que foi projetado para fazer: concentrar renda e poder as custas dos recursos naturais e dos trabalhadores envolvidos da cadeia de produção. Mas a maneira que produzimos, distribuimos e consumimos nosso alimento não precisa ser assim.

 

Pequenas propriedades que operam com sistemas integrados incluindo animais produzidos agro-etno-ecologicamente – uma abordagem que coopera com os animais respeitando seus comportamentos e necessidades específicas – já são as que mais produzem alimento para o mundo. E fazem isso usando menos água, em áreas menores e empregando mais pessoas.

O Gerenciamento Holístico (GH), uma abordagem em engloba a pecuária regenerativa tem muito a somar nesse quadro. Mas o GH não é uma abordagem de rotação de pastagens ou uma modalidade específica de pecuária. É uma plataforma de gestão de recursos e tomada de decisão!
Dentro dessa abordagem é possível planejar as rotações, por meio de uma metodologia específica que leva em conta a ecologia (e.g. habitats de outras espécies, períodos de reprodução ou migração, infestações, etc.), a viabilidade econômica e a qualidade de vida das pessoas envolvidas nos projetos.
Lote adensado sendo manejado no Centro Africano para o Gerenciamento Holístico. (Foto cedida com autorização)
Entre outras coisas, essa abordagem capacita o produtor a:
  • priorizar sua qualidade de vida e base de recursos naturais enquanto busca seus objetivos financeiros,
  • ter métricas específicas para acompanhar a restauração,
  • diminuir seus riscos em relação às secas,
  • otimizar a chuva disponível fixando carbono no solo,
  • alimentar os animais sem insumos ou cilagem,
  • usar os animais para aumentar a biodiversidade de fauna, flora e fungos da propriedade,
  • fazer o controle das pastagens ou vegetação indesejada com a prática do “impacto animal“,
  • planejar a qualidade de vida para os que vivem no campo.
 
  1.  A natureza opera em todos e padrões. Uma perspectiva holística é essencial no gerenciamento. Se baseamos decisões de gestão em qualquer outra perspectiva, nós provavelmente teremos resultados diferentes dos planejados porque só o todo é real.
  2. A Escala de Friabilidade. Os ecossistemas podem ser classificados dentro de um contínuo que vai de não-friável até muito friável de acordo com o quão bem a humidade é distribuída e a velocidade que a vegetação morta se decompõe. Nos extremos dessa escala os ecossistemas respondem de maneira diferente a influencias iguais. O descanso, por exemplo, restaura a paisagem em ecossistemas não friáveis, mas causa danos nas paisagens muito friáveis.
  3. A conexão presa-predador. Nos ecossistemas friáveis um número relativamente alto de grandes herbívoros em manada, mantidos concentrados e em constante movimento como esses animais se comportam naturalmente na presença de predadores que caçam em grupo, é vital para se manter a saúde das paisagens que pensávamos que eles destruíam.
  4. É o tempo e não o número de animais presentes que causa a degradação dos ecossistemas. Em qualquer ecossistema o sobrepastoreio e a compactação pelo pisoteamento praticamente não tem relação com o número de animais. Ao contrário, tem relação com a quantidade de tempo que as plantas e o solo são expostos aos animais.
 
As métricas ecológicas presentes no GH garantem o monitoramento eficiente dos processos de restauração. Garentem que o fluxo energético, o ciclo hidrológico, a ciclagem de nutrientes e a biodiversidade estão sendo melhorados na medida em que produzimos.
 
A crise econômica mundial de 2008, a greve dos caminhoneiros de 2018 no Brasil e a pandemia do Covid-19 nos mostram claramente que se queremos ter qualquer resilência nesses momentos precisamos garantir a existência de redes de produção, distruibuição e consumo biorregionais. Precisamos garantir a diversidade e a soberania alimentar de TODAS AS PESSOAS. Precisamos também garantir que após o colapso nossas sociedades e o sistema econômico não retornem ao seu modo de gestão reducionista que só consegue produzir alimentos, moradia e bens de consumo às custas da Mãe Terra e da saúde e bem estar humanos.
 
Nesse sentido o Gerenciamento Holístico, como plataforma de tomada de decisão para gestão de recursos em sistemas complexos e para uma produção de carne, ovos e laticínios que seja regenerativa e atenda a demanda de todas as pessoas, é uma ferramenta essencial.
 
O vídeo abaixo mostra alguns casos de sucesso na restauração do solo e ciclos hidrológicos usando a pecuária regenerativa.

 

 

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