Na Escala de Permanência da Linha Chave as edificações vem em sexto lugar. Isso quer dizer que ao invés de chegar em uma propriedade, escolher a melhor vista para colocar a moradia ou posicionar a moradia em função de estradas de acesso construídas anteriormente e depois colocar a maior parte das outras edificações em função dessa decisão, a gente primeiro pensa o Clima, a Geografia, a Água, o Acesso e os Sistemas Florestais, para então decidir onde vamos colocar as edificações.
No artigo “Faça Tudo Sobrepondo Funções“, Joel Salatin faz umas perguntas importantes sobre as edificações (e investimentos de um modo geral) em propriedades rurais:
1 – Qual será o impacto econômico dessa construção ou aquisição na fazenda?
2 – De que outras maneiras eu posso usar essa edificação ou aquisição (equipamento, maquinário, etc.) na fazenda se meus planos atuais mudarem?
3 – Além do uso básico (planejado originalmente) de que outras formas posso usar essa estrutura?
4 – Emocionalmente, você poderia demolir essa edificação no próximo ano e recomeçar com algo mais funcional? Se você não quer mais a edificação no local atual, você conseguiria movê-la para outro lugar facilmente?
Levando em consideração a ordem a que devemos dar prioridade ao desenvolvimento de uma propriedade segundo a Escala de Permanência e as perguntas de Joel Salatin, vemos que a maioria das pessoas posiciona suas casas e edificações na fazenda da forma errada. No sentido de trazer humildade para a área do design, o arquiteto e autor do livro Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things, William Mcdonough, nos lembra que levamos 5.000 anos para colocar rodas nas nossas malas. De fato, inovações levam tempo para serem adotadas em larga escala, mas a realização de que podemos ter estruturas móveis em propriedades rurais tem motivado uma verdadeira revolução na gestão e produtividade de propriedades rurais do mundo inteiro.
As casas miniatura sobre rodas, por exemplo, estão revolucionando a maneira como as pessoas pensam a ‘casa própria’ e os custos exorbitantes de um financiamento de longo prazo. Pessoas e famílias de idades e tamanhos variadas perceberam o quanto os preços dos financiamentos tornaram a opção da casa própria quase impossível ou talvez apenas inviável se considerarmos o tamanho do sacrifício.
A mobilidade, o preço mais acessível, o baixo impacto ambiental e a maneira como essas casas nos fazem reconectar com a natureza a nossa volta tem feito muitas pessoas adotar esse estilo de vida e moradia. Outra vantagem que as casas miniatura sobre roda trazem, é que em muitos países, pelo fato de serem móveis, essas casas escapam da burocracia das regulamentações.
Mas a revolução da mobilidade não está só nas casas. Propriedades rurais no mundo inteiro perceberam que edificações móveis aumentam a produtividade regenerando os ecossistemas. Isso porque nos permitem imitar os fluxos migratórios da natureza e sobrepor empreendimentos em uma mesma área.
O ovo-móvel de Joel Salatin é um exemplo clássico. Nesse caso a áreas de pasto são otimizadas com galinheiro móvel sendo instalado logo após a saída do gado de um determinado piquete. Parte da alimentação das galinhas vem do que seriam pragas no pasto por conta da alta concentração de adubo das vacas quando manejadas intensamente em cada área. Por exemplo as moscas, os insetos, carrapatos, parasitas, etc. que tendem a se proliferar demais na falta de predadores naturais. Outra função do ovo-móvel é usar as galinhas para espalhar ainda mais (porque ciscam a área) o adubo deixado pelo gado.
Foi em grande parte com estruturas móveis e buscando inspiração na natureza que Joel Salatin conseguiu fazer a Polyfaces, sua fazenda de 100 acres, produzir anualmente 18.100Kg de carne de boi, 13.600kg de carne de porco, 10.000 frangos, 1.200 perus, 1000 coelhos e 35.000 dúzias de ovos. Tudo isso é produzido recuperando florestas, pastagens e o solo! Sem nenhum adubo ou pesticida químicos, rações de crescimento com hormônios ou antibióticos.
Outro exemplo inteligente do uso dessas estruturas são os abatedouros móveis. Nem sempre eles são realmente móveis, mas o fato de serem construído sobre permite esquivar de regulamentações injustas para o pequeno produtor. Talvez o exemplo mais emblemático seja o do Mike Callicrate, um rancheiro estadounidense que defende que as fazendas de pecuária devem ser regenerativas e mantidas como negócios familiares e não corporativos. Quando o ativismo de Mike fez com que abatedouros de grande escala boicotassem sua produção, ele construiu um abatedouro sobre rodas. Essa solução também permitiu que Mike usasse todas as carcaças dos animais como biochar, fechando um ciclo e mantendo grande parte da fertilidade na propriedade.
Na produção de leite começaram a surgir as ordenhadeiras móveis. Variando desde uma unidade manual portátil, até unidades com capacidade para ordenhar várias vacas por vez, essa inovação permite um melhor fluxo nas rotações das pastagens uma vez que a ordenha pode ser feita em piquetes diferentes. O fato da ordenhadeira ir até o piquete ao invés das vacas virem até o curral, também tem outras vantagens. Evita a erosão e compactação causada pelas trilhas do gado e faz com que a urina e o estrume sejam um recurso espalhado na propriedade e não uma poluição concentrada em apenas uma parte ao redor da ordenha.
Usar infraestrutura móvel e sobrepor empreendimentos, como nos convida a fazer Joel Salatin, e saber a ordem de prioridade em termos de tomada de decisão e investimento de tempo e recursos como na Escala de Permanência da Linha Chave, de fato, revoluciona o modo de pensar e projetar propriedades e empreendimentos rurais. Eu compartilho mais sobre a abordagem de Joel Salatin para o que ele chama de ‘fazenda móvel’ no artigo 10 Passos para Empreender com Sucesso na Fazenda. Nesse paradigma, tanto as edificações quando os animais passam a ser recursos com funções múltiplas, elementos móveis que nos permitem imitar os fluxos da natureza em uma micro-escala. O que, por sua vez, nos permite realizar melhor nosso papel de agentes regenerativos das paisagens nas quais habitamos e às quais pertencemos.