
No começo do mês de março de 2018 eu tive o prazer de conversar com o Dr. Walter Steenbock para uma entrevista com o podcast Impacto Positivo. Walter é Engenheiro Agrônomo e editou e escreveu livros que se tornaram referências importantes para quem produz alimentos, madeira e fibra em Sistemas Agroflorestais Sucessionais no Brasil. Entre os trabalhos mais conhecidos de Walter estão: Agrofloresta: aprendendo a produzir com a natureza, Agrofloresta, Ecologia e Sociedade, e Agroflorestando o Mundo de Facão a Trator. Durante a nossa conversa Walter compartilhou uma quantidade enorme de conceitos e conhecimentos adquiridos em anos de pesquisa científica e trabalho no campo junto aos agricultores familiares e agrofloresteiros.
Em retrospectiva, é possível perceber claramente como o começo, o desenvolvimento e o fim de determinadas civilizações estiveram ligados à forma como a agricultura que praticavam os levava a degradar o meio ambiente à sua volta. O fato de que agora vivemos uma civilização, em grande parte, globalizada, com o mesmo pensamento extrativista que degrada os recursos naturais para apoiar uma agricultura ainda mais industrializada é evidência que estamos em pleno declínio civilizacional. Desta vez em escala global. Walter alerta que “se olharmos dados sérios de pesquisas que indicam a saúde do planeta, nós podemos perceber a gravidade do Antropoceno, a sexta maior extinção em massa na história da vida no planeta”. A gravidade do Antropoceno, segundo Walter, vem da rapidez com a qual a nossa civilização vem extinguindo espécies, habitats e áreas rurais desde a revolução industrial, mas com aceleração incrível nas últimas décadas. Outra diferença dessa extinção em massa para as cinco outra que aconteceram anteriormente é a velocidade em que ela vem acontecendo e que essa está sendo causada por um egoísmo e por uma ansiedade de consumo inculcados pela cultura do sistema vigente, explica Walter.
“No últimos anos, especialmente à partir da revolução industrial e da revolução verde nos últimos 30 a 40 anos, o paradigma da agricultura tem se transformado no paradigma da domesticação completa de tudo. Você domestica ao máximo à espécie ao ponto dela precisar completamente do homem para sobreviver. E você domestica completamente a paisagem para garantir que daquela paisagem só venha a planta que você queira”.
Essa cultura, Walter segue explicando, é a grande causa do péssimo estado em que se encontra a saúde sócio-ambiental do planeta. Estado negativo que por sua vez afeta a saúde mental e física de todos nós gerando um círculo vicioso, porque se nós não temos boa saúde não podemos cuidar apropriadamente da saúde do planeta. Esses processos de domesticação de espécies e paisagens, segundo Walter, custam muito caro para os pequenos produtores, para a diversidade cultural e a sócio-biodiversidade como um todo.
“Quando a gente pensa em campos de soja com quilômetros de extensão, onde nada mais cresce além de soja, por trás desse campo tem uma série de processos de domesticação da espécie e da paisagem às custas de muito adubo químico, de muito agrotóxico, de muita máquina, de muita contaminação, de muita redução de lençol freático… E por aí vão uma série de problemas relacionados à esse paradigma de agricultura.”
Já a prática da sucessão agroflorestal, Walter explica, “trabalha com um processo de domesticação da paisagem associado a valorização das forças da natureza na construção de um sistema produtivo”. Essa prática, olha para a Mata Atlântica, para a Floresta Amazônica, vê a quantidade de madeira, fibras, animais e alimentos produzidos e se propõe a aprender com os processos que regem esses ambientes e fazer o mesmo na agricultura. Nesse caso, o entendimento de processos naturais muito fortes como a própria fotossíntese, a sucessão florestal, a estratificação (os vários andares) que a floresta tem em seu estado natural e a reciclagem de nutrientes que ocorre dentro da floresta, passa a fazer parte do entendimento e das tecnologias usadas pelo pequeno agricultor em seu dia-à-dia.
“Se a gente consegue trabalhar junto com esses processos naturais, estimulando ou até mesmo direcionando esses processos naturais, a gente trabalha junto com a natureza contribuindo para um processo de fartura, para um processo de cada vez mais evolução do próprio sistema. Então, fazer agrofloresta é fazer uma agricultura junto com as forças da natureza.”
Então de um lado, Walter explica na entrevista, temos os processos de globalização da sociedade de consumo que nos trouxeram o Antropoceno. Mas por outro lado, os meios de comunicação desenvolvidos por essa mesma globalização, tornam disponíveis também a globalização de um conjunto de práticas de agricultura, de maneiras de pensar e viver com a natureza que ainda são praticados em algumas regiões do mundo. E esse conjunto, contra-hegemônico de saberes, atitudes e práticas pode ser usado para reverter o papel de liderança em degradação que os seres humanos têm hoje para um de liderança regenerativa.
Esse papel de liderança regenerativa requer uma outra mudança de paradigma. Por conta da evolução tecnológica, foi possível a domesticação das espécies e das paisagens levando os seres humanos a um senso de desconexão como todo. Nessa mentalidade é o ‘homem contra a natureza’, o ‘homem contra as pestes e ervas daninhas’, etc. Nessa mentalidade criam-se as áreas de proteção e conservação ambiental das quais mesmo as comunidades tradicionais e indígenas são excluídas. Em um paradigma contra-hegemônico e ecocêntrico, Walter compartilha, a conservação é feita pela inclusão consciente dos seres humanos com alfabetização ecológica nos lugares degradados e não pela exclusão deles. Usando uma analogia do Primack, autor da Biologia da Conservação, Walter descreve os seres humanos como regentes de uma orquestra composta por instrumentos da biodiversidade.
Perguntei ao Walter se os SAFs seriam uma opção viável para produzir alimentos que vão desde a base da pirâmide alimentar, até as proteínas, folhas e frutas para a população crescente do Brasil e do mundo. Walter chamou atenção para pesquisas que revelam que os SAFs produzem entre 40 a 75 toneladas de alimento por hectare por ano em comparação com a produção otimistas de soja ou batata pelo agronegócio, que produzem em torno de 11 a 15 toneladas por hectare por ano respectivamente. Esses dados deixam claro a viabilidade financeira dos SAFs. Mais ainda quando pensamos que quando produzimos em SAFs estamos regenerando habitas que prestam serviços ambientais incalculáveis como a re-umidificação dos micro-climas e o reabastecimento dos lençóis freáticos. Serviços ambientais que são essenciais para que tenhamos água para beber e produzir alimentos e que o agronegócio depleta ao invés de regenerar.
Mas segundo Walter, as possibilidades sócio-culturais e ambientais contra-hegemônicas são as que mais gratificam os pequenos produtores familiares. Seu Zezéfredo, agricultor familiar que faz parte do movimento Cooperafloresta em Barra do Turvo (SP) por exemplo, compartilhou com o Walter a relação dele com a área que plantou seu SAF revelando outra relação do agricultor com a natureza. Seu Zezefredo diz: – “Eu trabalho das 8 da manhã às 5 da tarde, mas eu tenho parceiros que continuam trabalhando mesmo quando eu estou parado. O tucano come muito palmito e cospe muita semente. De noite vem o morcego e fica cuspindo semente também. Então essa área aqui (apontando para agrofloresta) foi plantada por mim, pelo tucano e pelo morcego”.
“Em uma análise mais urbana”, Walter reflete, “de alguém que pense nos processos educativos como algo ainda externo à natureza, isso talvez tenha pouco valor, mas o Seu Zezéfredo é alguém que vive com a sua cultura vinculada a um mutualismo, à uma simbiose com parceiros, colegas de trabalho que são o tucano e o morcego. Ele se envolve em processos pedagógicos, inclusive, de construção do conhecimento que só podem existir se a agricultura tiver uma base sintrópica, uma base agroflorestal, uma base regenerativa.”
Para conhecer mais do trabalho do Dr. Walter Steenbock, ouça a entrevista na íntegra. Nela Walter compartilha mais sobre o trabalho da Cooperafloresta, questiona a escala da produção do agronegócio e se a produção em SAFs deve ou não ter uma escala industrial. Walter também compartilha mais detalhes sobre o impacto positivo dos SAFs na vida dos pequenos agricultores familiares e o impacto desses produtores em suas comunidades.
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