De onde vem e como se desenvolveram os Eucaliptos usados em SAFs

Muitos dos que conheceram o eucalipto em cursos de agrofloresta ou manejando Sistemas Agroflorestais (SAFs) defendem veementemente a importância deles nesses sistemas. Os que só conhecem o eucalipto por meio dos desertos verdes que eles formam quando cultivados em monocultura, abominam seu uso. O eucalipto é acusado de secar lençóis freáticos por demandar muita água. Também é acusado de exalar uma secreção química em suas raízes para inibir o crescimento de outras espécies à sua volta, efeito conhecido como alelopático. Ainda assim várias espécies do gênero estão sendo usadas para recuperar áreas degradas, produzir alimento e restaurar os lençóis freáticos.

Podcast Impacto Positivo - Muda Clonada de Eucalyptus grandisEm um de nossos trabalhos para o Podcast Impacto Positivo o Sérgio Olaya, que usa muito esse gênero de árvores em SAFs, me perguntou o que eu sabia sobre o eucalipto na Austrália. Meu conhecimento técnico sobre a evolução dessas árvores é limitado. Embora soubesse o que é senso comum para quem trabalha com SAFs. Os eucaliptos são uma espécie de árvore que acumula várias funções nos sistemas agroflorestais. São extremamente resistentes e conseguem se estabelecer em solos muito degradados. Várias espécies de eucaliptos podem ser usadas para acelerar a sucessão ecológica uma vez que estas espécies estão entre as árvores de crescimento mais rápido e que quando manejadas corretamente ocupam apenas 20% do espaço de estratificação das florestas. Exatamente por que crescem muito rápido, os eucaliptos também são uma fonte muito boa de matéria orgânica para o sistema (com folhas e galhos sendo usado para cobrir o solo). Além de tudo isso podem colhidos em aproximadamente 4 anos para serem usados como uma madeira muito versátil para construção, o que aumenta a viabilidade econômica do produtor familiar e abre clareiras nos SAFs para renovação de novos plantios.

O pouquíssimo conhecimento técnico que tinha veio de uma palestra do Bill Mollison, co-criador da Permacultura que assisti há alguns anos. Na palestra ele explicava a evolução desse gênero no ecossistema australiano. Ele contava que as Florestas de Eucalipto da Austrália se desenvolveram ao longo de milhares de anos nas encostas rochosas litorâneas onde tempestades com raios eram frequentes, mas que essas florestas ficavam limitadas à essas áreas. Segundo Mollison, nos últimos 150 mil anos esse ecossistema teria sido alterado pela ação dos povos aborígenes da Austrália que fazem uso constante do fogo para caçar e manejar a paisagem. O uso frequente do fogo por todo o país teria privilegiado espécies que dependem das queimadas para se reproduzir, como é o caso do eucalyptos grandis, mas que antes ficavam limitadas as áreas onde só ocorriam incêndios naturais e frequentes.

Como o Sérgio pediu que tentasse encontrar livros sobre o assunto, eu perguntei dentro da rede social da Regrarians, uma plataforma criada pelo designer de propriedades rurais Darren Doherty. A plataforma foi criada para intercâmbio e cooperação de designers regenerativos no mundo todo. O texto que segue é uma colagem, com tradução livre minha, dos comentários que foram gentilmente cedidos pelos camaradas Darren Doherty, Dan Harris-Pascal, Shane Ward e Byron Joel.

Como sempre os fatos e contextos que explicam a evolução das espécies são multifacetados. De uma forma bastante resumida, Darren explica que a leitura dele é de que essas espécies se desenvolveram sob o domínio completo e total da megafauna Australiana. Dan Harris-Pascal chama atenção para o fato de que antes do surgimento dos eucaliptos grande parte da Austrália tinha uma vegetação muito parecida com o que as florestas da Nova Zelândia e do Chile que são dominadas por árvores do gênero Nothofagus ou as Faias do Sul como também são chamadas as árvores desse grupo de 43 espécies. A intensificação da ação aborígene, que fazia uso do fogo para caçar e manejar a paisagem, com um clima que vinha secando gradualmente, criou florestas e paisagens mais propensas ao fogo e portanto mais adaptadas a ele.

Muito embora os eucaliptos possam ser usados em sistemas florestais para acelerar o fenômeno conhecido como sucessão ecológica, é provável que nunca saibamos qual a real extensão de sua função nos ecossistemas Australianos antes da chegada e consequente degradação causada pelos europeus. Um pequeno exemplo disso é o fato de grande parte da madeira dos eucaliptos nessas florestas era quebrada e digerida por fungos que eram espalhados pelos marsupiais escavadores. Esses animais também faziam túneis e ninhos subterrâneos que além de depositar mais madeira em decomposição no subsolo, também facilitava a infiltração da água. Com a chegada dos gatos, raposas e roedores grande parte desses marsupiais se extinguiu ou está em risco de extinção. Isso sem falar nos milhões de koalas mortos para fabricação de gorros de inverno. Tudo isso mudou muito o ecossistema do qual os eucaliptos faziam parte.

Shane Ward nos apontou referências acadêmicas importantes na paleoecologia sobre a ligação da extinção da megafauna Australiana (provavelmente causada pela pressão da caça) e a mudança do ecossistema em decorrência da perda de animais herbívoros interagindo com as florestas úmidas de clima temperado. Essa cadeia de eventos também influenciou a evolução de uma paisagem dominada por espécies adaptadas ao fogo. Os títulos ou palavras chaves para encontrar esses artigos (em inglês) online são: “The Aftermath of Megafaunal Extinction- Ecosystem Transformation in Pleistocene Australia”, “Humans rather than climate the primary cause of Pleistocene megafaunal extinction in Australia” e “Abrupt vegetation change after the Late Quaternary megafaunal extinction in southeastern Australia”. Alguns estudos indicam que essa mudança no ecossistema também pode ter influenciado para que o clima da Austrália se tornasse mais seco.

Ainda assim, Byron Joel, chama atenção para o fato de que algumas dúvidas pairam no ar. O fato dos ecossistemas australianos serem diferentes é senso comum. Mas mais especificamente como eles são diferentes? E como o pleistoceno funcionou na Austrália? Onde estavam os animais que caçam em bandos? Os herbívoros da megafauna se moviam em manadas? Porque a megafauna australiana se extinguiu por completo? Os solos australianos são pobres por conta da lixiviação ao longo de milhares de anos ou eles perderam toda sua vida por ‘descanso’ excessivo (ausência de interação com animais endêmicos)?

Da conversa com os colegas na plataforma Regrarians ficaram algumas dicas de livros (em inglês) que também foram recomendados por Shane Ward:

  • “The Future Eaters” de Tim Flannary. O livro discute a chegada precoce dos humanos na Austrália.
  • “The Biggest Estate of Earth”, escrito por Bill Gammage e abordando o manejo da paisagem pelos Aborígenes.
  • “Dark Emu, Black Seed” escrito pelo Aborígene Bruce Pascoe e que levanta a hipótese, muito bem fundamentada por documentos históricos, que os os povos Aborígenes da Austrália não eram caçadores e coletores, mas exímios agricultores.

Outra fonte muito boa de informações sobre os eucaliptos são os livros e apostilas do CSIRO (Departamento de Meio Ambiente da Austrália).


Nota
: Para os que estão interessados na utilização de SAFs como uma forma financeiramente viável de recuperar terrenos degradados, assim como na utilização das técnicas da permacultura e outras formas de desenho regenerativo para tocar suas propriedades e empreendimentos, durante o mês de Junho estarei no Brasil ministrando alguns cursos e oficinas.
– Entre os dias 1 e 15 de Junho teremos a Vivência de Agrofloresta na Fazenda Bella com o Osmany Segall e o Sérgio Olaya. A vivência conta com:
2 cursos / 2 estágios / 2 visitas guiadas
Curso 1 – Introdução aos Sistemas Agroflorestais com Osmany Segall
Curso 2 – Poda em Altura com Sergio Olaya
Estágio 1 – desenho, plantio, manejo e colheita.
Estágio 2 – manejo de bananeiras e poda
Visita 1 – projeto Águas Brasil – agrofloresta para restauração de lençóis freáticos e segurança alimentar com assentados do MST (17 hectares)
Visita 2 – visita aos SAFs do agrônomo Rômulo Araújo (exibido nos filmes da Agenda Gotsch)

Os interessados podem participar dos cursos separadamente.

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