A Derrota do Movimento Ambiental e o que podemos aprender com ela

Seja só no ocidente ou em uma análise mais ampla da história do colapso das diversas civilizações que antecederam a nossa, em praticamente todas as frentes, o movimento ambiental tem sido derrotado toda vez que insurge. Mas o que podemos aprender com o fracasso das pessoas que insurgem em defesa dos povos e dos sistemas que garentem a vida no planeta?

A História do movimento ambiental (ocidental)

Se traçamos uma genealogia do movimento ambiental no ocidente, podemos identificar uma de suas origens com o movimento pela conservação do solo que surgiu na década de 30 depois das grandes tempestades de poeira que assolaram partes da Austrália e dos EUA.

Na sequência, em 1962, Rachel Carson ganhou reconhecimento internacional denunciando que as armas químicas que haviam sido produzidas com recursos do orçamento militar, estavam sendo reaproveitadas como agrotóxicos na agricultura.

Em 1968 veio a foto O Nascer da Terra, retratando o planeta Terra à partir da lua pela equipe de astronautas da Apollo 8 e, pela primeira vez, tivemos noção da integralidade de nossos sistemas ecológicos, de como embora um grupo pequeno de privilegiados possa viver bem melhor até o final da espécie humana, o destino do planetinha azul zunindo pelo espaço é, em última instância, o destino de todos nós.

Ainda no mesmo ano, 1968, testemunhamos o vazamento de mais de 95 mil litros de petróleo de uma plataforma perto da costa de Santa Bárbara, na Califórnia, que matou milhares de aves, peixes e animais marinhos e o rio Cuyahoga pegando fogo com a quantidade de químicos despejados em seu curso. Esses dois crimes ecológicos ganharam muita cobertura na mídia.

Mas esse é só mais um jeito sutil por meio do qual somos colonizados. Percebam que nessa narrativa os EUA, país com a segunda maior pegada ecológica do mundo, sai como líder do movimento ambiental.

O movimento ambiental é bem mais antigo que nos contam!

Ainda antes de Cristo, o poeta romano Virgílio já escrevia sobre a vida no campo. As Geórgicas, uma de suas 3 obras principais, que significava literalmente Trabalhando na Terra, foi dedicada exclusivamente para a agricultura e se dividia em 4 partes:
– o cultivo de grãos,
– o cultivo de árvores (há 2000 mil anos já sabíamos da necessidade de uma agricultura com árvores)

– o cuidado com cavalos e a integração animal, e

– a importância da apicultura (há 2000 mil anos também já sabíamos da importância das abelhas).

Enquanto o Império Romano já começava a colapsar por ter consumindo toda a natureza que dominava, os povos andinos da América Latina já praticavam agroecologia e o manejo regenerativo da água.

Eles plantavam policulturas em terraços que além de manter o solo saudável e produtivo, também criavam um sistema de filtragem da água. Quanto mais a água passava pelos terraços, mais alimentos eram produzidos e mais pura a água ficava.

Há quase 2500 anos Platão descrevia em dois de seus diálogos o profundo conhecimento sobre planejamento rural, a arquitetura e a construção naval integrados à civilização de Atlântida, uma civilização que, supostamente, atingiu todos esses avanços há mais de 11 mil anos, mas que mesmo com toda sua evolução, sucumbiu por sua soberba e fetiche tecnológico.

 

A destruição dos ecossistemas brasileiros e da cultura dos povos originários e tradicionais que se desenvolveram em harmonia os territórios que ocupam e a alienação e apatia da nossa população frente a esse genocídio e ecocídio coroam a desesperança de muitos que se dedicam à natureza e às causas agroecológicas.

A derrota ambiental é só mais uma consequência da obsessão pela grande escala

Por um lado é possível chegar à conclusão de que todo esse conhecimento, todo esse viver ecológico existente em outras civilizações lista para a gente, nos dias de hoje, uma sucessão de fracassos. Como de costume nas Américas e na Oceania, os conquistadores ocidentais judaico-cristãos sempre usurparam o conhecimento dos povos conquistados que lhes servia e depois faziam questão de destruir qualquer registro, edificação ou costume de que seus conquistados eram, de fato, muito mais ecológica e moralmente evoluídos. Como herdeiros desse projeto de civilização, a grande maioria de nós vive às custas do ecocídio globalizado.

Por outro lado, é possível pensar que apesar do esforço sistêmico dos invasores, muitos princípios, abordagens, conhecimentos e práticas ecológicas sobreviveram. Muito do que sabemos hoje sobre o manejo regenerativo de microbacias vem dos Incas, dos Maias, dos Nabateus, dos Polinésios, dos Aborígenes e de tantos outros povos. Recebemos dos povos originários amazônicos as plantas enteógenas que promovem a cura da desconexão e o autoconhecimento. Dos ameríndios, as plantas medicinais e os consórcios de plantio, como as três irmãs, que promovem a saúde do solo, a densidade nutricional das plantas e a facilidade do manejo. E o fato de que a cada genocídio, algumas poucas pessoas se encarregavam de encontrar maneiras de passar sua visão de mundo, seus princípios e práticas adiante e, de que só por isso, podemos retomar a caminhada à partir de um ponto menos difícil, pode ser considerado uma vitória.

Compartilho aqui duas referências que honram suas linhagens, que compartilham desse entendimento de que nem toda vitória está na grande derrota do inimigo e que frequentemente são as pequenas sementes plantadas em territórios aparentemente inférteis, que fazem brotar outras utopias concretas.

A ancestralidade no movimento ambiental

Darcy Ribeiro, um dos maiores antropólogos indigenistas que já existiu, se dedicou incansavelmente à proteção dos povos indígenas, à reforma agrária e à autonomia do Brasil frente aos poderes externos. Ao longo dos anos Darcy destilou algumas falas relacionadas com uma vida muito dedicada a essas causas, porém sem sucesso aparente. Suponho que parte da resiliência de Darcy, veio da contraposição de tanta luta aparentemente em vão com a outorga do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Sorbonne em 1978. Muitos pensam que a fala dele reflete uma vida de fracassos, mas eu vejo de outra maneira. A resiliência dele é pérola de beleza, precisão e análise que se desenvolveu em torno de tantos crimes hediondos contra o povo brasileiro e reflete a maldade sistêmica que é submeter um país e seu povo ao governo de pessoas jurídicas estrangeiras criadas para maximizar o lucro a cada 24 horas.

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”

Já mais para o final de sua vida, em 1995, Darcy reiterou sua indignação em relação ao rumo do Brasil e do mundo em uma frase que destilava ainda mais resiliência:

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca!”.

Por toda sua carreira, Darcy nunca deixou de mencionar a importância do conhecimento dos povos indígenas em sua obra, nunca deixou de reconhecer a contribuição de seus pares e a guiança de seus mentores. Exatamente por saber que não caminhava só e que representava mais do que só ele mesmo, foi tão resiliente, tenaz e grandioso.

Do outro lado do planeta, David Holmgren, futurista e co-criador da Permacultura, com mais de 40 anos dedicados ao movimento ambiental e principalmente, a uma vida ecológica e energeticamente superavitária em sua propriedade, tem sido questionado sobre a valia de tanto tempo dedicado ao ambientalismo frente a tão poucos resultados. Frequentemente também pedem que ele reflita o porquê, mesmo com tantos dados e informações a maioria das pessoas escolhe seguir com estilos de vida literalmente impossíveis de serem mantidos em um futuro próximo.

Com uma habilidade incrível de imaginar (e prever) possíveis cenários onde nossa civilização terá que viver com cada vez menos energia fóssil disponível e em um clima cada vez mais incerto, David sempre explica que não precisamos concordar com esses cenários para notar as vantagens sociais, sanitárias e ecológicas de uma vida local, dedicada a autonomia e resiliência e conectada com a produção de nosso alimento. Com humor, quando enfrentado com a expansão do controle corporativo sobre os corpos e territórios e a subsequente devastação humana e ecológica que ela traz, ele cita a frase do violãocelista Pablo Casals que ficou famosa na Austrália:

“A situação é desesperançosa. Precisamos dar o próximo passo!”

Não por acaso, Pablo usou a mesma frase ao encerrar um longo discurso expondo os problemas do mundo na celebração de seu aniversário de 80 anos.

Assim como Darcy, David também referencia a influência dos aborígenes na Permacultura e toda uma leva de ecologistas e designers que influenciaram sua obra e carreira como escritor, consultor e ativista. E aqui, de novo, vemos uma pessoa com uma obra de enorme importância para a ecologia mundial, humildemente agradecendo seus mentores.

As frases que paralisam e o passo que rompe com a desesperança

Esse próximo passo, que rompe com a desesperança como explica Pablo, é um dos maiores desafios do nosso tempo!

Para que ele seja possível e tenha mais chances de ser dado na direção certa – a de regeneração da cultura e dos sistemas que apoiam a vida no planeta, precisamos pensar com honestidade, transparência e coerência COMO devemos nos preparar para um futuro com cada vez menos energia disponível para a enorme maioria das pessoas no planeta. Se é porque a energia está concentrada com os projetos corporativos e menos disponível para a população ou porque já passamos do pico de produção de combustíveis fósseis, não importa, como alerta David. Importa mais que trabalhemos com o fluxo solar energético para nos tornarmos energeticamente superavitários ao invés de ficarmos tão dependentes do pulsar dos combustíveis fósseis.

As frases “não existe solução individual para problemas sistêmicos” e “não temos política pública para resolver esse problema”, que são repetidas à exaustão no campo progressista, têm dificultado ainda mais esse próximo passo na direção de alternativas possíveis. Elas também indicam outros desafios que precisamos enfrentar. Três, em específico, eu avalio como mais urgentes.

Primeiro, A PREGUIÇA INTELECTUAL que nos rende incapazes de sonhar e, portanto, materializar alternativas descentralizadas e autogeridas. Quase sempre a fixação na grande escala chega à conclusão (preguiçosa, tendenciosa e errônea) de que as pequenas ações importam pouco ou quase nada, que experimentos locais por mais bem sucedidos que sejam, não são capazes de resistir os grandes impérios e, portanto, que enquanto não conseguirmos mudanças grandes, generalizadas e impostas de cima para baixo, nada adianta. Assim, grande parte da esquerda aponta muitos problemas e barulhentamente exige muitos direitos, mas em suas vidas pessoais, familiares e comunitárias, esquece que implementar e viver as soluções nessa escala é um dever.

O segundo desafio tem origem no viés cognitivo criado pelo primeiro. A gigantesca incapacidade da grande maioria das pessoas de assumir, mesmo com tanta evidência, que as soluções trazidas pelos governos e elite financeira, nem de longe tem a saúde, dignidade e autonomia da população como prioridade. Além disso, as soluções trazidas pelos governos nunca serão capazes de assegurar a diversidade, a integralidade e a especificidade manifestadas nas várias formas de viver que se desenvolveram pelo planeta. Essa incapacidade também está relacionada com o medo das consequências lógicas trazidas pela aceitação dessa obviedade – somos nós que precisamos criar as soluções que asseguram nossa dignidade, autonomia, cultura, saúde e qualidade de vida.

Ter a coragem de protagonizar esse viver a partir de soluções que, sim, começam no individual e no familiar, mas que rapidamente podem ser adotadas pelas pessoas à nossa volta quando estiverem prontas ou em necessidade, é o terceiro desafio a ser conquistado. Esse viver traz a coerência ecológica, a autonomia econômica e a pertença ao território necessárias para que nossas articulações emanem de soluções já vividas como um dever e não de sonhos que gritam por direitos.

Que tenhamos a resiliência indignada do Darcy, a frugalidade ecológica vivida pelo David e a incoerência sábia do Pablo para que nosso próximo passo seja só a continuação, no rumo certo, da caminhada de todos os amantes da natureza que nos antecederam.

Que os exemplos de Darcy e David nos inspirem a enxergar cada vez mais as sementes de autonomia e resiliência que brotam para regenerar o solo degradado da civilização ocidental. Que ao invés de sermos completamente dependentes de matrizes energéticas poluentes e finitas, consigamos construir nossas vidas no fluxo solar energético, no fluir das águas, na força dos nutrientes de nossa biorregião e na diversidade de ideias, fauna e flora que se viabilizam conosco nesse fluir.

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