Permacultura: 4 décadas de educação, Design e ações para um Futuro com declínio energético próspero

No dia 19 de Abril de 2017, David Holmgren recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Central de Queensland (CQUniversity). Na ocasião a Universidade estava comemorando um ano de lançamento do curso de Bacharelado em Design Permacultural. David reconheceu uma relação ambígua com o mundo acadêmico e forneceu uma perspectiva histórica do surgimento e evolução da Permacultura como um conceito, sistema de desenho e movimento social. David conclui seu discurso dizendo que acredita “que a permacultura é a abordagem conceitual mais dinâmica e robusta disponível para ajudar famílias e comunidades a projetar e reformar suas paisagens, habitats e comportamentos para um futuro de declínio energético”. Confira a tradução do discurso de David Holmgren na cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa abaixo.

Nota do tradutor: O texto que segue é uma tradução livre feita por Eurico Vianna. O texto original, em inglês, postado pelo autor, permacultor (e agora Doutor) David Holmgren pode ser acessado nesse link. A estrutura do texto original, assim como a ordem dos subtítulos foi mantida, embora alguns trechos curtos tenham sido editados da tradução.

Introdução
Receber esse título de Doutor Honoris Causa é um marco na minha relação ambígua com o mundo acadêmico. Mais importantemente, é um marco no reconhecimento da Permacultura como sistema de desenho e movimento social. Eu tenho a certeza que permacultores, professores, designers e ativistas em todos os lugares irão se inspirar e fazer uso desse reconhecimento específico de maneiras que irão fortalecer e promover ainda mais a Permacultura.

Minha linha de trabalho foi muito bem documentada em Permaculture One[1] (1978), Permaculture Design Case Studies (nos anos 80 e começo dos 90), Princípios e Caminhos da Permacultura Além da Sustentabilidade e Coletânea de Artigos (no começo dos anos 2000) e mais recentemente em Future Scenarios (2009). Drew Dawson sugeriu que, com pequenos ajustes de edição, minhas publicações poderiam me qualificar para um doutorado por exegese, mas eu estava muito preocupado com o Retrosuburbia: a downshifter’s guide to a resilient future para gastar ainda mais do meu tempo sentado em frente ao computador.

Eu acredito que essa ocasião seja uma oportunidade para fornecer uma perspectiva histórica do surgimento e evolução da Permacultura como um conceito, um sistema de desenho e um movimento social. A minha perspectiva é uma mistura de observações imparciais com reflexões de um ativista engajado. Esse (contexto histórico e social) é um assunto que venho abordando em palestras e artigos nos últimos anos, mas nunca com a devida profundidade de pesquisa. …

Em 1975 eu estava lançando o conceito da Permacultura com meu mentor e co-autor do livro Permaculture One, Bill Mollison. Em função de sua passagem aos 88 anos de idade no ano passado, uma reflexão sobre aqueles anos se torna ainda mais apropriada. Também especialmente porque a CQUniversity outorgou a ele o merecido primeiro título de Doutor Honoris Causa em Permacultura.

Muito embora eu estivesse lá no começo, se o manuscrito do que viria a ser o livro Permaculture One tivesse sido deixado comigo, provavelmente ainda estaria em uma gaveta esperando por edição e eu não estaria aqui falando com vocês hoje. Bill Mollison era internacionalmente conhecido como “o pai do movimento da Permacultura”, enquanto que meu papel nesse movimento sempre mais difícil de definir.

A Permacultura ganhou notoriedade aos olhos públicos por meio da grande mídia (Australiana) e depois cresceu e se tornou um movimento global de praticantes, designers, professores e ativistas por meio do Permaculture Design Course (PDC), tudo isso fora do mundo acadêmico. Entretanto o conceito foi germinado em solo acadêmico no meio dos anos 70, então eu quero começar com aquela estória.

Design Ambiental
… (Em 1973) Eu descobri a Escola de Design Ambiental fundada pelo arquiteto, de Hobart, Barry McNeil e à época recentemente estabelecida no Tasmanian College of Advanced Education. O Design Ambiental atraia todos os radicais e dissidentes das faculdades de Arquitetura, Planejamento Urbano e Paisagismo de toda Austrália. Energias renováveis, materiais (de construção) naturais, construção pelo proprietário, Design Participativo, transporte público, ecologia e biodiversidade faziam parte daquilo que acredito que tenha sido o experimento mais radical na história da educação terciária da Austrália.

Três anos de curso um curso generalista em Design Ambiental precedia outros 3 anos de um curso de especialização, em nível de pós-graduação, em Arquitetura, Paisagismo ou Urbanismo. Na segunda parte do curso os alunos tinham que estudar meio período e trabalhar a outra metade do tempo em sua área de estudo.

Um terço do orçamento para professores era alocado para professores visitantes e profissionais (de destaque em suas áreas de atuação). A faculdade prestava consultoria para o governo e os alunos da graduação e pós-graduação trabalhavam juntos em projetos e participavam do processo de seleção de professores e funcionários. Havia um processo de auto-avaliação no momento de entrega da tese, cada aluno definia seu próprio cronograma e o mais impressionante de tudo, não havia um currículo (definido). McNeil, disse que o mundo estava mudando tão rápido que era necessário ensinar como resolver problemas e como pensar ao invés de um conjunto de habilidades específicas que poderiam se tornar obsoletas no tempo em que os alunos se tornassem líderes em seus campos de atuação.

Um Encontro ao Acaso
Depois de nos encontrarmos por acaso[2] em 1974 Bill e eu desenvolvemos um relacionamento mentor-aluno completamente informal e eu passei a morar na sua casa. Toda minha energia ia para o manuscrito e a horta a qual depois associamos o termo permacultura, mas eu nunca assisti às aulas de Bill como professor da faculdade de psicologia da Universidade da Tasmânia. … Eu conclui um design de uma propriedade rural visando autossuficiência, para o qual eu tive a audácia de usar o manuscrito (ainda por ser publicado) como referência principal. Dos 106 alunos que ingressaram o primeiro ano de Design Ambiental em 1975, eu fui um dos 6 que sobreviveram aquela liberdade selvagem, aprovaram a si mesmos a cada semestre, entregaram a tese e receberam o título de Bacharel em Design Ambiental. Eu deixei a academia imediatamente para continuar minha jornada como um construtor prático. Bill se concentrava mais em promover as ideias e, depois de edições e acréscimos ao manuscrito, o livro Permaculture 1 foi publicado em 1978 recebendo muitos elogios e algumas críticas desdenhosas.

A Primeira Onda de Soluções Ambientais
O que estava acontecendo em 1977 que fez com que 6 editoras grandes se oferecessem para publicar um acadêmico indisciplinado da Tasmânia e um aluno recém formado totalmente desconhecido? Para responder essa pergunta eu preciso me afastar e deixar para trás a estória pessoal para ganhar uma perspectiva histórica daqueles tempos.

A concepção e propagação inicial da permacultura do meio para final da década de 70 foi parte da primeira onda de soluções ecológicas modernas que podem ser vistas como uma resposta à evidencia apresentada pela cientista de sistemas Dana Meadows e seus colegas no relatório Limites do Crescimento de 1972, encomendado pela organização internacional Clube de Roma. Esse documento pode ser visto como o relatório científico mais importante na história. A primeira crise no abastecimento de petróleo veio no ano seguinte ressaltando o nível de dependência das sociedades industriais modernas à energia barata e abundante. Essa crise criou a primeira recessão econômica significativa depois do fim da Segunda Guerra Mundial estimulando um interesse crescente por energias renováveis, urbanismo, agricultura sustentável e modos de vida mais eficientes ou mesmo mais frugais.

A Primeira Onda de Resistência
Desde o final dos anos 60 um tipo de ambientalismo de oposição vinha crescendo em países ricos. A inundação do Lago Pedder (SEARCH UP) na Tasmânia em 1972 hoje em dia é reconhecida como um marco no surgimento do movimento verde global. Mollison havia estado à frente da campanha para salvar o Lago Pedder assim como de outras campanhas quando eu conheci ele em 1974. … Embora tivéssemos entre nós uma geração de diferença, Mollison eu eu estávamos firmemente concentrados em como criar diretamente o mundo que queríamos ao invés de lutar contra o mundo que não queríamos.

Influências da Permacultura
Embora uma visão sombria do mundo embasasse a concepção da permacultura e do Curso de Design em Permacultura (PDC em inglês) posteriormente elaborado por Bill, o foco mais forte era em soluções de design ecológico. A agricultura orgânica, energia alternativa, autossuficiência, eco-vilas e localismo cooperativo eram todos parte da mistura que deu origem à permacultura. Em um nível conceitual, o trabalho de EF Schumacher (Small is Beautiful, 1973) e Edward Goldsmith (Ecologist Magazine), Ian McHarg and Christopher Alexander, combinados à visionários mais antigos do movimento da agricultura orgânica como FH King, Russel Smith, Albert Howard e outros. Mais importante, sob a minha perspectiva, a primeira referencia em Permaculture 1 foi para o livro Power Environment and Society (1971), um texto difícil que usava ‘energia incorporada’ (embodied energy) como moeda corrente, e uma linguagem de circuito energético para identificar e explicar princípios e padrões que unificassem sistemas humanos e geofísicos. Esses conceitos se desenvolveram na mesma época porém independentes da Teoria de Gaia de Lovelock.

O PDC, ensinado pela primeira vez por Bill Mollison em 1981 se tornou o veículo de propagação e criação de rede de designers, educadores e praticantes completamente à parte da educação formal e sem o apoio financeiro de empresas ou governo.

Muito embora eu criticasse os planos ambiciosos de Mollison de treinar um pequeno grupo de alunos confiando que eles fossem sair por aí redesenhando o mundo e achasse a ideia bizarra, a forma como ele apresentou a permacultura como uma prática educativa situada fora da academia se alinhava diretamente com as minhas ações para testar os conceitos. Essa atitude de Mollison, juntamente com a onda de entusiasmo do final dos anos 70, provavelmente foi a mais importante para estabelecer as bases de um movimento global com milhares de educadores, designers, ativistas e praticantes.

Declínio Energético
A visão de futuro que embasava o conceito da permacultura era a de que dentro de várias gerações ‘um declínio energético’ requereria a relocalização das economias, uma volta das habitações humanas para as áreas rurais e uma integração sinérgica da agricultura ecológica, tecnologias apropriadas e organização comunitária. Era uma resposta clara ao relatório Limites ao Crescimento e às evidencias de que a sociedade estava mostrando todos os sinais de estar seguindo civilizações passadas no caminho da autodestruição.

Nós pensamos que o mercado levaria em conta o esgotamento dos recursos naturais e que isso levaria a uma recessão econômica se não levasse a um colapso total e que a melhor resposta seria o desenvolvimento de sistemas paralelos à sombra do sistema econômico principal. Também é importante reconhecermos que no que diz respeito aos limites energéticos para o futuro da humanidade Bill Mollison era ambíguo ao ensinar a permacultura e frequentemente sugeria que várias tecnologias poderiam superar os limites energéticos enquanto em última análise mantinha uma posição forte sobre a natureza destrutiva da agricultura e do uso de combustíveis fósseis. Esses ‘ralos’ ao invés de ‘fontes’ são o outro lado da moeda do Limites ao Crescimento que agora chegam até nós na forma não negociável do aquecimento global. Ao mesmo tempo, as sementes da sustentabilidade convencional estavam sendo semeadas. O foco em um futuro ‘tecno-estável’ para humanidade refletia o doce cenário do relatório Limites ao Crescimento que sugeria que seria possível fazer uma transição por meio de políticas globais para reduzir a crescente demanda energética e de recursos, a poluição e a população enquanto nos aproveitássemos ao máximo da tecnologia.

A Revolução Friedmaniana
Como cenários futuros, tanto o ‘tecno-estável’ quanto o ‘declínio energético’ foram varridos pela Revolução Friedmaniana[3] que incluía desregulação de mercado, privatização, pilhagem de recursos baratos por uma nova onde de colonialismo e mais importante a expansão do crédito para apoiar um futuro ‘tecno-explosivo’ de crescimento perpétuo. Uma geração de cientistas, acadêmicos e ativistas políticos e ambientais que sobreviveram os expurgos da Revolução Friedmaniana chegaram à conclusão que a escassez de recursos não levaria a uma mudança na sociedade em um futuro próximo.

Mais importante para os nossos dilemas atuais, os fundos para o campo da contabilidade ambiental, especialmente o que usava energia como uma moeda corrente alternativa cientificamente válida para medir valor, perdeu ida de valor cientificamente válida para uma moeda corrente alternativa, foram cortados. …

O congresso da Associação Australiana e Neozelandesa para o Avanço da Ciência (ANZAAS em inglês) que eu participei em 1979 em Hobart tinha meia dúzia de artigos sobre energia incorporada e agricultura. Mas em meados de 1980 apenas alguns poucos acadêmicos modelando sistemas energéticos conseguiram sobreviver no mundo acadêmico. Na Austrália o método mais poderoso e preciso de contabilidade de energia incorporada desenvolvido por Howard Odum e seus colegas permaneceu desconhecido e de um modo geral (o estudo de) sistemas ecológicos foi trocado por abordagens mais reducionistas na modelagem de recursos naturais e humanos. No campo da conservação biológica o que chamamos de ‘nativismo’ (a política de proteger espécies indígenas e evitar exóticas invasivas) teve origem na Austrália e no mundo Anglo-americano.

O ativismo permacultural bateu em retirada para as margens geográficas e conceituais onde os graduados dos cursos de design em permacultura formaram uma rede subcultural que levou à primeira convergência internacional realidade no Nordeste da Nova Gales do Sul (New South Wales) em 1984.

A Segunda Onda de Soluções
No final dos anos 80 a próxima onda de ambientalismo respondeu ao consenso científico sobre aquecimento global com conceitos de sustentabilidade convencionais (vindos do sistema vigente). Todo mundo queria dominar as tecnologias renováveis inteligentes, que por sua vez eram todas avaliadas por meio novo sistema de medida de Gases de Efeito Estufa. Muito embora a permacultura tenha se mantido à margem desse discurso, ela cresceu rapidamente na Australia e outros países durante esse período. O trabalho enciclopédico de Mollison Permaculture: a designer’s manual auto-publicado 1988 juntamente com dois documentários exibidos pela TV ABC (Australian Broadcasting Company) vieram no tempo certo e estabeleceram as bases para essa segunda onda de ambientalismo. Muito embora a permacultura fosse vista popularmente como um conjunto de técnicas para horticultura e uso da terra, ela sempre foi ensinada como um sistema de desenho baseado em preceitos éticos claros: o cuidado com a terra, o cuidado com as pessoas e o compartilhamento do excedente. Eu caracterizei o sistema de desenho (permacultural) como uma abordagem que integra o uso sustentável da terra e dos recursos com uma vida sustentável. Dessa forma a permacultura se aplicava aos dois lados da economia humana (a produção e o consumo) e precedia o surgimento do conceito de consumo sustentável[4].

A Economia sem Peso
Em meados de 1990 outra fase de ‘otimismo técnico’ se estabelecia na sociedade. Essa fase foi apoiada pela revolução de Tecnologia e Informática que possibilitou o desenvolvimento do sistema de administração e produção Just in Time[5], serviços financeiros ampliados e desregulados em larga escala e a pilhagem de recursos da extinta União Soviética. Durante os Cursos de Design Permacultural que ensinei na década de 1990 eu ressaltava a importância da agricultura e alimentos, da mudança voluntária de comportamento em direção à uma vida mais simples, de reinstaurarmos a economia familiar e comunitária não monetária e de continuarmos trazendo para dentro de qualquer discussão sobre sustentabilidade ecológica realista as informações contidas no relatório Limites do Crescimento. Mais polêmica ainda era minha ênfase no valor da biodiversidade trazida por espécies naturalizadas no que hoje chamamos de ‘novos ecossistemas’[6]. Mais importante ainda, eu identificava os bairros de classe média como os habitats que tinham o maior potencial para uma transformação debaixo para cima por meio do que chamei ‘garden agriculture’ (agricultura de quintal)[7].

Princípios e Caminhos
Em Permacultura: Princípios e Caminhos Além da Sustentabilidade (2002) eu expliquei uma visão de futuro com declínio energético que demandava uma linha de pensamento fundamentalmente diferente daquela que serviu a humanidade na fase de ascensão do pico energético que aconteceu nos últimos 250, talvez 500 anos. O enquadramento de 12 princípios firmemente embasados na ciência de sistemas e na sabedoria das tradições sustentáveis revigorou o ensino da permacultura no mundo e renovou um interesse pelo conceito que vinha de fora das redes já existentes.

Infelizmente os eventos do 11 de Setembro colocaram de lado toda a agenda de sustentabilidade, de maneira que o impacto dessa terceira onda não tomou força até o debate sobre o pico da produção do petróleo e crise do mercado financeiro global forneceram o contexto ideal para um interesse renovado em soluções de design ecológico.

A Terceira Onda de Soluções
As crises de estresse geopolítico, estagnação e instabilidade econômica, pico do petróleo e especialmente o rápido aquecimento global que se convergem atualmente viram uma nova onda de ativismo ambiental desde a última crise financeira global. Entretanto, a mobilização cada vez maior de pessoas clamando por menos (NOTA menos consumo) não funcionou para diminuir, muito menos reverter a aceleração da dizimação ecológica e muitas pessoas hoje podem ver as queimadas se espalhando mais rápido do que conseguimos apagar os focos inicias. Como Graham Turner do Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (Organização de Pesquisa da Comunidade Científica e Industrial) concluiu em 2014 “… nos prepararmos para um colapso do sistema global pode ser mais importante do que tentar evitar o colapso”[8].

No lado positivo dessa situação, existe um mercado crescente para soluções sustentáveis que vai desde corporações multinacionais até o nível familiar e comunitário. O crescimento e diversidade de ações inspiradas pela permacultura agora inclui linhas de influencia sobre a educação ambiental e universitária convencionais, o desenvolvimento comunitário, agricultura regenerativa e o gerenciamento de recursos naturais. Aqui no Sul da Austrália o trabalho da família Brookman[9] como produtores orgânicos, comerciantes inovadores e professores de permacultura tem sido um grande exemplo da propagação das soluções trazidas pelo design permacultural. Essa propagação acontece de maneira orgânica e lateral por meio do refinamento e popularização das soluções assim como por meio da influência dessas soluções em mudanças mais profundas nos âmbitos das políticas públicas e regulatórias.

Ações à Margem
Muito embora a maior parte do design, ensinamentos e práticas permaculturais permaneçam às margens organizacionais e conceituais da sociedade, uma explosão criativa de ideias e ações está agora em uma escala muitas vezes maior do que aquela da primeira e segunda ondas. Os melhores desses designs realizam 4 objetivos simultaneamente:

  • criam uma vida melhor para aqueles envolvidos;
  • agem como modelos capazes de reproduzir viralmente quando as condições sociais e econômicas mudam
  • retraem o mercado de trabalho, o consumo e capital dos sistemas econômicos centralizados gerando um sinalizador (econômico) e uma greve política mais eficiente do que mobilizações clamando por menos (por estilos de vida mais simples, com menos consumo, menos resíduos gerados e menos impacto ambiental);
  • por fim eles criam mecanismos ‘salva-vidas’ e redes de resiliência que contribuem de maneira melhor para a vida das pessoas enquanto os sistemas econômicos centralizados entram em colapso progressivo (ou rápido).

Essas estratégias ‘de baixo para cima’ (do termo bottom-up em inglês) tem um potencial constantemente subestimado por aqueles que são devotos das respostas ‘de cima para baixo’ (do termo top-down em inglês)[10].

O trabalho dos moradores da Fazenda Hibi[11] (em uma área de 1000m2 em um bairro de classe média de Melbourne, Austrália) é um exemplo de como ações ‘debaixo para cima’ na escala não monetarizada dos lares familiares conseguem alcançar mais objetivos (segurança alimentar, coesão social, menos consumo e impacto ambiental, etc.) com menos recursos (financeiros). Essas ações também conseguem engajar os cidadãos comuns ao invés de assustá-los no que diz respeito a busca pela auto-suficiência enquanto demonstram alternativas viáveis às maneiras centralizadas, monetarizadas e reguladas de suprir as necessidades e aspirações humanas. Alguns veem esse estilo de vida como ‘à margem’ da sociedade convencional e em necessidade de ser regulamentado pelas autoridades. Mais complicado ainda é o fato de que esse tipo de mudança que acontece debaixo para cima causaria uma retração do mercado econômico enquanto aprimoraria uma gama de indicadores sociais e ambientais.

Hoje vemos um trabalho sério, com uma abordagem de cima para baixo, desenvolvendo estratégias emergenciais para salvar a humanidade de um perigoso aquecimento global[12]. Essas estratégias reconhecem a importância da agricultura regenerativa, de sequestrar carbono no solo, sistemas agroflorestais para produção de alimentos, grãos perenes e outras estratégias ressaltadas pela permacultura como forma de sequestrar carbono e prover abundancia permanente em um mundo sem combustíveis fósseis.

Ironicamente, as projeções feitas para adoção dessas estratégias à época da Segunda Grande Guerra indica que precisamos adotar mudanças no mínimo tão radicais quanto as ‘debaixo para cima’ mais anárquicas descritas por mim.

O movimento Cidades em Transição[13], lançado por Rob Hopkins no Reino Unido é outra ação inspirada pela permacultura que está criando resiliência no nível das comunidades; uma necessidade urgente em países ricos com a Austrália.

Retrosuburbia
Meu próximo livro, RetroSuburbia: o guia de um minimalista para um futuro resiliente[14] traz as lições e soluções daqueles que já estão reformando os espaços construídos, biológicos e comportamentais em loco, nos subúrbios de classe média onde vivem a maioria dos Australianos nas cidades menores e no interior. Se estivermos no tempo certo, talvez vejamos um número suficiente de pessoas adotando essas ideias antes da explosão da bolha imobiliária australiana e fazendo notícia na grande mídia. Esse sucesso, inevitavelmente traria oposição de várias áreas. Se pudermos mostrar um caminho próspero para um futuro de declínio energético talvez possamos replicar o que aconteceu com o movimento das Hortas Vitorianas[15] nos Estados Unidos durante a mobilização no período da Segunda Guerra. Em um primeiro momento o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) tratou esse movimento como uma ameaça a agricultura comercial, mas depois que a primeira dama Eleonor Roosevelt arou parte do gramado da casa branca para estabelecer uma Horta Vitoriana, mudou de tática e passou a promover a iniciativa.

A produção alimentar em hortas caseiras é de suma importância para a agenda do RetroSuburbia. Igualmente importante é o excedente de espaços internos não utilizados. Em ambos os casos a utilização de espaços atualmente subutilizados contribui na participação de uma economia não monetarizada. Nossa quantidade enorme e subutilizada de prédios nos permitirá criar economias de escala em casas com mais de um núcleo famíliar ou compartilhadas por várias pessoas (repúblicas) que não foi possível em outras depressões ou longos períodos de recessão econômicas. Essa história nos mostra que a consolidação dos lares é a estratégia principal que as pessoas comuns adotarão assim que a economia azedar. O que é urgentemente necessário é a proliferação de modelos que permitam com que aqueles em condições mais difíceis evitem as armadilhas e possam se beneficiar das eficiências ambientais e econômicas fazendo uso dos lares maiores e mais centrados na comunidade.

Declínio Energético Restaurado
O debate acerca da futura base material para existência humana está novamente aberto para discussão. Durante os anos 80 e 90 quando a Austrália ainda dormia no volante, o ensino e ativismo permacultural tiveram que acomodar as normas culturais da sociedade Ocidental assim como das sociedades tradicionais.

Mesmo dentro das redes da permacultura a fé em um futuro ‘tecno-estável’, se não totalmente tecnológico[16], reflete uma crença semi-religiosa presente na sociedade na qual a ciência e a tecnologia nos fariam mestres do nosso próprio destino. Se a humanidade está de fato em um caminho de declínio energético e não em um caminho estável ou de crescimento, a permacultura é uma das poucas linhagens de ação intelectual e prática que sobreviveu as décadas sombrias desde que o relatório Limites do Crescimento mostrou a força do Pensamento Sistêmico para entendermos os problemas estruturais gravíssimos que assolam nossa civilização atualmente globalizada.

Enquanto a permacultura não pode mudar a trajetória da nossa civilização, ela é certamente uma das linhas de continuidade cultural que poderia permitr com que nossos decendentes sobrevivessem ou mesmo prosperassem em um futuro de declínio energético. Qualquer que seja o futuro, a permacultura fornece inspiração e know-how para centenas de milhares, se não milhões, de pessoas que estão “criando o mundo que queremos agora”. Muitas dessas pessoas criativas procuram refugio dos desertos éticos e espirituais criados pela tecno-esfera e mercado na permacultura. Mas um número cada vez maior de pessoas com raízes fortes nas culturas tradicionais locais veem a permacultura como uma das poucas expressões da modernidade que fortalecem suas fontes tradicionais de sabedoria para trabalhar com a natureza e não contra ela ao invés de erodi-las ou ridicularizá-las.

Em um mundo novo de mudanças efusivas nós precisamos encontrar forças e sabedoria para agir com soluções pequenas, lentas e sutis que nos permitirão trilhar um caminho de declínio próspero. As próximas décadas e séculos de declínio energético prometem desafiar nossa criatividade e flexibilidade mais do que durante os séculos de soluções grandes, rápidas e abruptas apoiadas pelo mercado de ações ao invés de fluxos energéticos.

Eu acredito que a permacultura é a abordagem conceitual mais dinâmica e robusta disponível para ajudar famílias e comunidades a projetar e reformar suas paisagens, habitats e comportamentos para um futuro de declínio energético.

A História julgará se a academia, os governos e as corporações ajudaram ou atrapalharam o caminho de declínio próspero.

David Holmgren, Abril de 2017.

Notas de Rodapé:
Obs: Enquanto algumas notas fazem parte do texto original, outras foram incluidas para melhor contextualizar a tradução.

[1] – Mollison, B.; Holmegren, D. (1978). Permaculture One: A Perennial Agricultural System for Human Settlements. Tyalgum, NSW. Australia: Tagari Publications.

[2] – David Holmegren conta como esse encontro aconteceu nesse artigo em seu website (em inglês): http://www.holmgren.com.au/a-chance-meeting/

[3] – Depois que seu arquiteto chefe, Milton Friedman, eufemisticamente chamou essa abordagem e estratégias econômicas ‘neo-liberalismo’, ela foi implementada no Reino Unido por Margaret Thatcher em 1979, por Ronald Reagan nos EUA em 1981 e por Hawk/Keating na Austrália em 1983.

[4] – Sugerido como parte das estratégias e recomendações contidas no relatório Agenda 21 redigido como resultado da Eco92, no Rio de Janeiro.

[5] – Nesse sistema tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata. Os produtos somente são fabricados ou entregues a tempo de serem vendidos ou montados.

[6] – Hobbs, et al. (2013). Novel Ecosystems: Intervening in the New Ecological World Order.

[7] – Holmgren, D. (1991). Gardening As Agriculture in Collected Writings. Melliodora. Australia

[8] – Graham, T. (August 2014). Rickards, Lauren, ed. “Is Global Collapse Imminent?”

[9] – A família Graham fundou a ‘The Food Forest Farm’ (a Fazenda da Agrofloresta) uma fazenda de 15 hectares onde eles vendem mais de 160 tipos de fruta, castanhas, grãos e madeira. Para maiores informações acesse (em inglês): http://www.foodforest.com.au/about-us/about-the-food-forest/

[10] – Enquanto o termo bottom-up, ou debaixo para cima, implica ações organizadas organicamente pelos cidadãos, famílias e grupos comunitários sem o apoio das autoridades, o termo top-down, ou de cima para baixo, implica um processo de organização e implementação de medidas e políticas públicas vindo das autoridades e impostas à população.

[11] – Estudo de caso mostrado no livro Retrosuburbia, ainda em faze de publicação, mas já disponível no formato digital – https://retrosuburbia.com/ .

[12] – Holmgren dá como exemplo o The Climate Mobilization Victory Plan, uma iniciativa que tem como objetivo detalhar como o governo Norte Americano completamente comprometido com a causa poderia levar toda a economia dos Estados Unidos a anular por complete a emissão de gases de efeito estufa, restaurando a segurança climática, evitando a sexta extinção em massa e desimação de todo ecosistema planetário. Ver (em ingles)   http://www.theclimatemobilization.org/victory-plan

[13] – Também conhecido como Rede de Transição ou Movimento da Transição. Para mais informações veja: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidades_em_Transi%C3%A7%C3%A3o

[14] – Holmgren usa o termo ‘downshifter’ denominando a pessoa que aderi à tendência ou comportamento social do ‘downshiting’, que visa simplificar a vida, reduzir o consumo e escapar o materialismo.

[15] – Chamadas em inglês de Victory Gardens, essas hortas também ficaram conhecidas como Hortas de Guerra e incluíam a produção de frutas, verduras e legumes para segurança alimentar durante o período da Segunda Guerra Mundial.

[16] – Holmgren usa o termo ‘techno-stability’ para indicar um futuro onde a tecnologia equilibraria os problemas ambientais e de escassez energética, já o termo ‘techno-explosion’ é usado para indicar um cenário futuristico onde as tecnologias seriam abundantes e surpririam inclusive o problema de escassez energética.

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