A Estrada de acesso, a localização da casa e as prioridades do projeto segundo a permacultura

As estradas de acesso da Faz. Tarakani (Austrália) foram refeitas em curva de nível ou com leve caimento para coletar água para açudes e sistemas de irrigação passiva.

Desenvolvemos a Fazenda Bella dentro de um contexto holístico onde regeneramos o meio ambiente, a comunidade e a economia que nos apoiam. Dentro desse contexto, nos propusemos a pesquisar para redesenhar melhor nossas estruturas. Compartilhamos aqui informações sobre como projetar estradas de acesso, como e onde posicionar habitações e como e o que priorizar enquanto desenvolvemos nossos projetos. O texto abaixo é uma tradução livre e resumida feita por Eurico Vianna, de trechos do capítulo Broadscale Site Design do livro Introducation to Permaculture, por Bill Mollison e Mia Slay (2011).

O Acesso

O acesso à casa é importante para o estabelecimento e manutenção da propriedade. Nos primeiros estágios vários tipos de materiais serão trazidos por meio desse acesso para construção das infra-estruturas.

Estrada de acesso (com caimento de 1 a cada 400 metros) coletando água para o açude, os corredores de árvores e as linhas feitas pelo subsolador redistribuindo a água pelos pastos.

As vias de acesso deverão ser posicionadas e construídas levando em consideração os tipos de transporte que serão usados na propriedade (carros, caminhonetes, caminhões, tratores, etc.). O posicionamento também deverá levar em conta o menor grau de manutenção possível, de maneira a economizar tempo e recursos ao longo dos anos.

Embora o tipo e a aparência das estradas sofram variações de acordo com o clima, o terreno e os recursos disponíveis, alguns princípios devem ser seguidos e considerados:

  • As estradas devem acompanhar as curvas de nível evitando as elevações e propiciando bom escoamento das águas das chuvas sempre que possível. Se possível, as estradas também deverão ser posicionadas nos topos dos morros (ou nas regiões mais altas) de forma a maximizar a drenagem. Em algumas ocasiões as estradas poderão ser construídas nos vales, mas exigirão mais manutenção, especialmente em localidades com muitas chuvas.
  • Sempre que possível, as estradas deverão cumprir outras funções, como por exemplo formar paredes de açudes ou aceiros contra para queimadas. As estradas também poderão cumprir a função de coleta de água com canteiros de escoamento levando à valas de infiltração/irrigação (swales) e açudes. Em algumas ocasiões o excesso de água também poderá ser usado em pequenas piscinas para coleta de lama e sedimentos que, posteriormente, poderão ser usados como solo para mudas ou forragem para mudas de árvores.
  • Em lugares montanhosos uma estrada alta (ou acesso de trator) poderá ser construído para facilitar o acesso à todas as áreas à partir de um ponto mais elevado (é sempre mais fácil transportar materiais morro à baixo).
  • Estradas menores e trilhas devem complementar o acesso das estradas principais de maneira a integrar, desde cedo, o processo de planejamento e construção.

O aspecto mais importante na construção de uma Estrada é o escoamento (drenagem) de água. A

Todas as estradas de acesso da Faz. Taranaki foram refeitas para acompanhar as curvas de nível ou escoar para açudes e sistemas de irrigação passiva.

estrada deve ser construída de forma a permitir drenos e bueiros do mesmo lado da vala de escoamento e, se possível, para dentro da propriedade. Quando isso não for possível, o escoamento deverá ser canalizado por baixo da estrada e direcionado para as valas, açudes ou áreas de escoamento que evitem a erosão do terreno.

Sempre finalize a construção da estrada de acesso à casa de maneira ascendente, mesmo que seja necessário criar um declive artificial antes da casa, de maneira que a estrada culmine em um ponto ascendente (morro à cima). Vários motivos amparam esse princípio:

  • Estradas de acesso em declive trazem água ao redor da casa dificultando a drenagem;
  • Veículos com defeito ou bactéria arriada podem ser mais facilmente rebocados ou ligados usando o declive (‘pegar no tranco’);
  • Em climas frios e chuvosos é melhor construir a estrada de frente para o sol de forma a secar mais rápido a neve ou lama acumulada.

A Localização da Casa
Embora a localização da casa dependa do clima, existem algumas regras a seguir e erros a serem evitados.

A ilustração mostra o posicionamento ideal de uma casa em relação à topografia e otimização de energia (usando gravidade sempre que possível).

Quanto mais perto a casa se situar de uma estrada principal de acesso melhor. Estradas de acesso à moradia longas custam mais caras para serem mantidas e levam à uma sensação de isolamento.

Em áreas tropicais a orientação em relação ao sol não importa tanto, mas a casa é orientada de forma a receber mais brisas e menos sol.

Jamais construa em inclinações acima de 14º ou abaixo de 2-3º (para conseguir uma drenagem mais eficiente). Localizar a casa à meia altura de uma ladeira moderada é uma boa maneira de se evitar geadas e receber brisas refrescantes.

Situe a casa de maneira a facilitar o abastecimento de água por gravidade. Também se certifique que o esgoto e águas cinzas não sejam despejados em rios ou lençóis freáticos. Use sempre árvores e vegetação que possam ser usadas como esponjas, absorvendo esses nutrientes.

Em relação às diferentes fontes de energia (elétrica, solar, eólica ou hidráulica):

  • Sempre construa o mais perto possível das fontes de energia;
  • Dê preferência por lugares onde possa usar o relevo e a vegetação existente de forma a se proteger dos ventos nocivos ou fazer uso das brisas refrescantes;
  • Não construa em locais com os melhores solos e também verifique se o subsolo tem bom escoamento;
  • Considere a privacidade no momento presente e no futuro.

Muito embora a maioria das pessoas priorizem a “vista”, isso pode levar à escolha inapropriada da localização da casa (frequentemente a área mais elevada é a de mais difícil acesso e com ventos mais fortes). De maneira que muitas vezes é necessário sacrificar “a vista ideal” construir um pequeno ‘retiro’ (uma pérgola ou área de confraternização) para apreciarmos a vista nesse local e situar a casa em local mais apropriado. É possível posicionar a vegetação de forma a atrair pássaros e vida selvagem ou mesmo construir um açude com uma ou duas ilhotas para abrigar peixes e patos de forma que tenhamos sempre algo interessante como vista.

Os erros mais comuns no posicionamento da casa são:

  • A construção no alto da montanha (exposta ao vento e ao fogo) e com custos energéticos altos (para se bombear água ou aquecer a casa, por exemplo);
  • A construção na mata instaurando um conflito por luz, nutrientes e espaço entre a vegetação e animais nativos e os novos moradores;
  • A construção em região ribeirinha plana ou em grotas baixas (localidades mais sujeitas à inundações e alagamentos), em regiões íngremes ou de terra instável.

Decidindo as prioridades
Uma vez que a localização da casa e das estradas de acesso tenham sido decididas o projeto pode se tornar mais complexo, focar nas edificações e suas redondezas. É nesse momento que as zonas, os setores e a inclinação do terreno podem ser analizadas de maneira mais ampla (deixando os detalhes para mais tarde). Ainda neste momento a localização da casa pode mudar em função dessas investigações.

Os setores são desenhados definindo as áreas de ventos predominantes, aspecto solar, vistas boas ou ruins, áreas mais sujeitas às queimadas ou alagamento. As zonas são desenhadas no plano horizontal (com a perspectiva de cima para baixo) com a casa marcando a zona 0 (zero) e as zonas de 1 a 4 marcadas incrementalmente de acordo com a dificuldade de acesso, distância e freqüência das visitações.

Uma vez que tenhamos situados as edificações por zonas, setores, inclinação (ou elevação) e função, seguimos adiante no planejamento considerando plantas e animais específicos.

O planejamento deve ser projetado de forma a permitir a execussão em etapas, fracionando o trabalho em tarefas que possam ser completadas mais facilmente.

Elementos mais importantes são priorizados nas etapas iniciais. São estes: estradas de acesso, abastecimento de água potável, cercas, sistemas energéticos, barreiras de vento[1], construção de casa e jardim e viveiro de mudas. Elementos secundários podem incluir: controle de queimadas (com o plantio de plantas resistentes ao fogo, estradas que protejam a propriedade, açudes, etc.) e erosão, assim como a reabilitação do solo.

Os primeiros 2 a 6 anos exigem tantas espécies e mudas de plantas que um viveiro de mudas se faz necessário para suprir essa demanda (de 4.000 a 10.000 mudas por hectare). Enquanto essas plantas crescem em potes e tubos podemos preparar as cercas e o solo, os sistemas hidráulicos (que apoiarão o plantio e a regeneração do terreno) e aí plantá-las de acordo com um planejamento cuidadoso e de longo prazo.

A provisão de sistemas de conservação e produção de energia é deixada em aberto no projeto de forma que toda a propriedade é considerada para captação de água e energias solar e eólica (a produção de biodiesel, álcool e gás metano também deve ser seriamente considerada). Mesmo que tais sistemas não possam ser implementados nos primeiros anos o espaço para eles deve ser separado entre as áreas designadas para colheitas anuais ou áreas destinadas ao uso temporário.

No que diz respeito à implementação, as primeiras estruturas e projetos deverão ser aqueles que gerem energia, depois os que economizam energia e, finalmente, os que consomem energia.

Seguindo esse critério muitas perguntas comuns respondem a si mesmas. Por exemplo:

Onde devo construir minha estufa?
Considerando somente o uso energético:

– Primeiro, juntamente as moradias como forma de aquecimento e para o plantio de subsistência;

– Segundo, juntamente a outras edificações (oficinas, escritórios, estações de processamento de alimentos e animais) como forma de aquecimento;

– Terceiro, como parte das moradias de animais e promovendo a troca de calor, estrume e gases;

– Finalmente, ou talvez nunca, como estruturas ‘soltas’ no terreno.

Como posso resolver o problema do vento nocivo ao crescimento das plantas na propriedade?
– Primeiro, plantando árvores e arbustos (úteis ou não) que sejam baratos ou gratuitos na região, que cresçam rapidamente e que possam ser plantados como mudas grandes, à partir de galhos e que vão sobreviver aos ventos;

– Segundo, plantando as plantas que precisam de estruturas (treliças, paredes, muros, barrancos, valas, barrancos e cercas vivas pelo jardim);

– Terceiro, plantando mudas ou sementes de grande escala ou plantas muito resistentes;

– Finalmente, enfileiradas de maneira permanente e sob a protectão das plantas já estabelecidas por meio das estratégias acima citadas.

O que vale mais à pena priorizar como colheita principal?
Apenas poucas plantas valem à pena como plantio principal. Ignorando o valor atual de mercado, existem 3 considerações principais:

  • o monocultivo que precise de pouca atenção após o plantio (batatas, milho, abóbora, frutas resistentes e vinhedos);
  • plantas que sejam fáceis de colher, armazenar e usar;
  • as plantas que formem a base da alimentação (batatas, inhames, mandioca, milho, abóbora e frutas de alto valor nutritivo).

Comercialmente também devemos considerar o plantio que:

  • tenha alto valor econômico, mesmo que sejam difíceis de colher (frutas silvestres, cerejas, açafrão, etc.);
  • Seja difícil de armazenar (melão, melancia, pêssego e mamões);
  • Ou que sejam raras, mas de muita demanda (ginseng, temperos, chás, oleaginosas e plantas ou árvores que sirvam para estrato de tintas);
  • Ou que sirvam particularmente bem à região da propriedade (seringueiros, castanhas, etc.).

O projetista deve estar sempre alerta às características locais, aos microclimas e necessidades específicas (das espécies locais ou escolhidas para o plantio) de maneira a tirar o maior proveito do que já existe no local ao invés de ter que trazer novas estruturas e com isso gastar mais energia.

Para serviços de consultoria entre em contato pelo email fazendabelladf@gmail.com

Para se aprofundar nesse tipo de conhecimento e abordagem matricule-se em nosso curso de Introdução à Permacultura ou Introdução a Agricultura Sintrópica.

Nota: Para os que tem se interessado pelo meu trabalho com desenho regenerativo, durante o mês de setembro estarei no Brasil ministrando alguns cursos e oficinas.
– Entre os dias 1 e 9 de Setembro estarei ministrando o curso Agricultura Regenerativacom a equipe da Escola de Permacultura na Serra da Mantiqueira, MG. Esse curso oferece 3 módulos: Tomada de Decisão Holística, Planejamento de Propriedades Rurais com a Escala da Permanência da Linha Chave e Desenho Permacultural.
– Entre os dias 11 e 17 estarei com o amigo Sérgio Olaya ministrando o curso Agricultura Familiar e Empreendedorismo Socioambiental na Fazenda The Green Man em Inconfidência, RJ. Esse curso oferece 3 módulos: Tomada de Decisão Holística, Desenho Permacultural e Agricultura Sintrópica.
– Oficina de Desenho Permacultural na Chapada dos Veadeiros (a ser confirmado).

Referência:

  1. Introducation to Permaculture. Mollison, B. e Slay, M. Tagari Publications, Australia. (Capítulo – Broadscale Site Design – pp. 60-64)

[1] – Barreiras de vento oferecem proteção por uma área que se extende (em comprimento) o equivalente a de 15 a 20 vezes a altura das árvores. Também é frizado a necessidade de uma combinação de árvores e arbustos para um controle eficiente do vento. Outra vantagem das barreiras de vento é o fato do aumento da produção de mel e polinização das frutíferas pela apicultura local (a necessidade da apicultura em qualquer propriedade com pomar ou agrofloresta também é bastante estressada).

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