Os 8 Princípios para Coleta de Água da Chuva

Os 8 princípios que apresento abaixo são explicados em detalhe no livro Rainwater Harvesting for Drylands and Beyond (Colhendo Água da Chuva para Além das Regiões Áridas), escrito por Brad Lancaster em 2013. Brad se tornou ambientalista, ativista social, empreendedor, educador, líder comunitário e autor depois de ingressar no mundo da Permacultura. Para saber mais sobre sua carreira acesse esse link. Em 1995 Brad visitou Seu Zephaniah Phiri Maseko em sua pequena propriedade em uma região semiárida do Zimbábue. Para saber mais sobre Seu Zephaniah acesse esse link (em inglês). Brad já levava uma carreira promissora como educador e designer em Permacultura, mas segundo ele a maior influência desde então tem sido a história e o exemplo do Seu Zephaniah e sua ‘fazenda de água da chuva’. Seu Zephaniah foi preso, torturado e proibido de trabalhar no departamento ferroviário por protestar contra o governo racista em 1964 e desde então precisou sustentar sua família de 8 pessoas com a produção da sua pequena fazenda de 3 hectares.

Nota1: Esse material foi preparado para dar suporte aos alunos dos cursos de Planejamento de Propriedades Rurais com base na Escala de Permanência da Linha Chave (EPLC) e Manejo Regenerativo da Água. Para ficar em contato sobre novas edições dos cursos, novos vídeos e artigos sobre planejamento rural regenerativo e ideias, ações, pessoas e projetos de impacto positivo nas mais diversas áreas se inscreva no canal do Podcast no Telegram (aqui) e na mala direta aqui no site. Se você tem se beneficiado do conteúdo gratuito disponibilizado no site e canal do YouTube considere ser um apoiador. Nesse link você pode apoiar a produção desse conteúdo e nos ajudar a materializar a transformação que queremos ser/ver no mundo.

Por viver na região árida do Zimbábue, Seu Zephaniah só podia contar com a água da chuva para cultivar o alimento de sua família. Por isso, toda vez que chovia, Seu Zephaniah saia andando pela sua fazenda e observando como a água fluía, onde ficava húmido por mais tempo e onde a vegetação se mantinha hidratada por mais tempo. Durante 30 anos de muita observação e experimento Seu Zephaniah desenvolveu 8 princípios para o ‘plantio da água da chuva’. Esses 8 princípios tornaram sua pequena fazenda um centro de aprendizado para segurança alimentar e resiliência contra a seca. Quando perguntam ao Seu Zephaniah o que ele colhe na sua fazenda, ele responde: “- Eu planto e colho água da chuva!”. A resposta pode parecer estranha para muitos, mas o fato é que sem água não se planta nada. E por isso Seu Zephaniah explica que antes de plantarmos as árvores é preciso plantar a chuva.

A pequena fazenda de Seu Zephaniah tem duas cisternas grandes e 5 açudes pequenos espalhados pelo terreno e relevo da propriedade. Os corredores de árvores e cultivo de grãos são feito em curva de nível (harmonizados com a topografia do terreno). As valas de drenagem projetadas e implementadas pelo governo para diminuir o efeito das enxurradas também foram adaptadas para reter a água ao invés de drená-la. Por todas as grotas e lugares por onde correm a água da chuva Seu Zephaniah adaptou barragens feitas com pedras soltas. Essas pequenas barragens formam bolsões de água durante as chuvas que ampliam as áreas com humidade suficiente para o plantio de árvores (frutíferas, nativas e forrageiras). O sistema radicular e a sombra das árvores, por sua vez, infiltram e retêm mais água no solo, muitas vezes fazendo pequenos riachos correrem durante todo ano (onde antes só corriam as águas das chuvas). Toda essa ‘infraestrutura’ foi feita sem maquinário porque seu Zephaniah acredita que se as obras forem feitas na escala humana, as pessoas também podem fazer a manutenção sem ter que depender de recursos externos.

Nota2: O material abaixo é uma tradução livre e resumida, feita por Eurico Vianna, do segundo capítulo do livro Rainwater Harvesting for Drylands and Beyond. Os princípios 2, 4, 5 e 6 são baseados na abordagem desenvolvida pelo PELUM – Associação Participatória e Ecológica de Uso da Terra (the Participatory Ecological Land-Use Management Association) da África Oriental e do Sul. Os princípios 1, 3, 7 e 8 são baseados na experiência de Brad Lancaster e o que ele aprendeu e vivenciou com o Seu Zephaniah Phiri Maseko e outros conservadores de água.

Os 8 princípios para coleta de água de água de chuva por Brad Lancaster são:

Primeiro Princípio da Captação de Água da Chuva – Comece com um processo de observação longo e bem pensado. Seu Zephaniah não aprendeu a coletar água da chuva de maneira tão eficiente e diversificada por meio de uma educação formal. Ele simplesmente passou a observar a chuva que caia na sua propriedade de maneira profunda e curiosa. Se você ouvir com atenção a terra vai te dizer o que você precisa saber e o que você precisa investigar de maneira mais aprofundada.

Segundo Princípio da Captação de Água da Chuva – Comece no topo (ou área mais alta do seu terreno/ bacia hidrográfica) e vá trabalhando de cima para baixo. Seja em uma área rural ou em um terreno na cidade, quanto mais alto (e antes) você começar a pensar, receber e redirecionar a água, mais chances e tempo você terá de melhor aproveitá-la e evitar erosão. Brad enfatiza constantemente que o solo rico em matéria orgânica absorve muito mais água do que conseguimos armazenar em açudes e cisternas. Por essa razão, devemos primeiro pensar em ‘plantar’ a água no solo e depois em armazená-la em açudes e cisternas.

Terceiro Princípio da Captação de Água da Chuva Comece de maneira pequena e simples. Seu Zephaniah e sua família construíram toda a estrutura de captação de água da chuva à mão, praticamente sem gastos com materiais e fazendo toda manutenção eles mesmos. Experimentos em pequena escala rapidamente mostrarão o que funciona ou não na área onde você está trabalhando. Outra razão importante para começar pequeno é que se você cometer um erro você pode aprender com ele sem que isso o leve à falência. Brad alerta que é mais fácil criar centenas ou mesmo milhares de pequenas ‘esponjas’ de captação (bacias, barragens com pedras, depressões no relevo) são mais fáceis de construir e mais eficientes do que um açude grande. Isso porque essas pequenas ‘esponjas’ captam mais água e espalhando-a de maneira mais equilibrada por todo o terreno que um açude.

Quarto Princípio da Captação de Água da Chuva – Espalhe e Infiltre o fluxo de água. Na fazenda de Seu Zephaniah só existem duas cisternas: uma que serve de armazenamento para o jardim/horta da frente da casa e outra que capta água do telhado da casa para servir de água potável e outras funções da casa (como a cozinha e o banheiro). Seu Zephaniah usa várias técnicas como o plantio de árvores e construção de pequenos muros de pedra em curva de nível para reter a água, espalhá-la pelo terreno e fazê-la fluir dentro do solo ao invés de na superfície (onde pode causar e erosão). “Eu planto água como planto outras colheitas. Por isso, minha fazenda não é só uma fazenda de grãos. Na verdade é uma plantação de água”, diz Seu Zephaniah. O objetivo da captação de água da chuva é criar uma séria de ‘redes’ perpendiculares ao fluxo das águas no terreno (em curva de nível). No entanto, em grandes tempestades ou períodos de muita chuva, sempre vai haver mais água passando pelo terreno do que podemos colher no solo, açudes ou cisternas. O que nos leva ao próximo princípio

Quinto Princípio da Captação de Água da Chuva Planeje sempre uma rota para o excedente de água que escoa e utilize-o como um recurso. Seu Zephaniah cavou vários pequenos açudes sequenciais em uma vala de escoamento profunda instalada pelo governo para drenar as águas da chuva que causam enxurrada. Ao invés de tratar a água de enxurrada como um problema ou resíduo, Seu Zephaniah adotou outra abordagem transformando-a em recurso para o plantio de árvores e lavouras (de cana e milho e milho, por exemplo). Isso requer um planejamento que leve em conta grandes fluxos de água nas enxurradas. Os vertedouros ou ‘ladrões’ devem ser construídos usando pedras pesadas e posicionadas de maneira compactada ou uma vegetação com sistema radicular forte de maneira a suportar grandes enxurradas. O excedente dos açudes e cisternas deve ser redirecionado (sem comprometer a fundação dos mesmos) para bacias de infiltração onde árvores e outras vegetações com a função de ‘colher’ sombra e alimentos, por exemplo, são plantadas. A necessidade de manejar o excedente de água de maneira que ela seja redirecionada para os locais e funções planejadas se aplica as cisternas ou qualquer outra infraestrutura que capte água da chuva.

Sexto Princípio da Captação de Água da Chuva Maximize a cobertura de solo viva e orgânica. Quando o solo fica exposto, sem vegetação ou cobertura de matéria orgânica, ele se compacta e sela. Isso dificulta a infiltração das águas da chuva e pode causar erosão, poças com mosquito e desperdício da água por evaporação. Por outro lado, quando cobrimos os solo com matéria orgânica (palhada ou madeira triturada, por exemplo) e plantamos um consórcio de árvores, arbustos e plantas forrageiras em bacias de captação de água tanto a forragem do solo como o sistema radicular das plantas aumentam muito a infiltração e capacidade de armazenamento de água no solo. É escolha da vegetação certa, no lugar certo (cobrindo o solo todo) que transforma a água colhida em alimento para as pessoas e animais, fornece sombra, fibras e madeira e recarrega os lençóis freáticos. Na fase inicial de estabelecimento dos sistemas o melhor é escolher plantas que sejam parte da vegetação nativa; geralmente encontradas em um raio de 40 quilômetros e dentro da mesma altitude (aproximadamente entre 150 metros abaixo ou acima da sua região). Essas plantas geralmente são melhor adaptadas as condições climáticas e padrões das chuvas quantidade e, por isso, crescem bem se tornando coberturas de solo excelentes.

Sétimo Princípio da Captação de Água da ChuvaMaximize as relações de benefício mútuo e eficiência sobrepondo funções. Seu Zephaniah procura fazer mais que infiltrar a água no solo, ele se esforça para melhorar toda sua propriedade e não apenas um aspecto dela. Ele faz isso planejando e posicionando estruturas de captação de água da chuva em relação à paisagem como um todo de maneira que elas desempenhem múltiplas funções de benefício mútuo. Ele está sobrepondo funções. (Lancaster, B. 2013: 36-7)

É sobrepondo funções que o Seu Zephaniah consegue ser mais eficiente e produtivo sem aumentar sua carga de trabalho. As plantas escolhidas para colher a água da chuva também produzem alimento, diminuem a poeira, fornecem abrigo, habitat para vida selvagem e barreiras de vento. As barreiras de vento vivas, por exemplo, também diminuem a evaporação da água nos campos, açudes e cisternas. O peixe criado nos açudes alimenta a família do Seu Zephaniah, mas também fertilizam a água que ele usa para irrigar suas plantações. Você sabe que está aplicando bem esse princípio quando planeja e adota uma estratégia que ao invés de resolver um problema, resolve vários ao mesmo tempo e ainda cria recursos.

Oitavo Princípio da Captação de Água da ChuvaReavalie seu sistema continuamente: O ciclo de feedback. A reavaliação continua é a chave para a manutenção de longo prazo nos sistemas de captação de água da chuva. Seu Zephaniah, teve uma grande idéia: ‘Plantar’ estruturas de captação de água de chuva posicionando vegetação e árvores em corredores na curva de nível do terreno. Ele rapidamente escolheu plantas que produzissem sisal (Agave spp.) porque requerem pouca água e manutenção e produzem grandes quantidades de biomassa para reter a água e o solo. Além disso essas plantas produzem muita fibra para ser usada na propriedade ou para venda. Seu Zephaniah começou na parte mais alta de seu terreno e plantou agaves em valas em curva de nível por toda a propriedade. Junto com outras estratégias e estruturas como muros de pedra em curva de nível o sistema adotado rapidamente maximizou a cobertura do solo. Seu Zephaniah só esqueceu de começar pequeno.

Na primeira seca mais severa o capim se tornou esparso e as plantas ficaram amareladas pela seca. Os agaves, por outro lado, por precisarem de pouca água se mantiveram verdes e vistosos. O gado de Seu Zephaniah foi direto para os agaves! As fibras fortes e longas do agave se prenderam nos intestinos dos animais e matou todos. Seu Zephaniah ficou devastado. Ele não havia previsto essas consequências. Consequências que não podemos ou não conseguimos prever, sempre acontecem. Com esse feedback de seu sistema, Seu Zephaniah gastou muitos dias retirando todos os agaves de sua propriedade. Ele deixou apenas uma moita pequena que seu gado não tem acesso e, segundo ele, serve de lembrete e ensinamento.

Independente do quão bom sejam seus planos ou design, você precisará de manutenção e adaptação ao longo do tempo. No entanto, quando o design é bem pensado as chances de erros grandes são menores. É a reavaliação contínua e observação do feedback dado pelos sistemas implantados que previne erros maiores, facilita a correção em tempo e o aprendizado necessário para aumentar a eficiência dos mesmos. Adotar todos os princípios juntos vai diminuir suas chances de errar e aumentar seus sucessos. A manutenção constante e equilibrada não deve ser evitada pois ela é uma oportunidade para aprender e aprimorar.

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