Platão, Atlântida e o planejamento da sua propriedade

A lenda de Atlântida carrega uma série de lições sobre desenho ecológico e o planejamento rural e uma muito importante sobre a soberba humana e seu fetiche por tecnologias.

Nesse podcast eu comento as conexões que vejo entre os padrões da natureza, os padrões geométricos e o planjamento rural (indo desde da análise do aspecto solar, a captação e reticulação dos sistemas hídricos, até a harmonização usando formas geométricas e ordens de tamanho).

Platão, o renomado filósofo grego, preservou a lenda de Atlântida em 2 de seus diálogos. Essas obras relatam a viagem de seu antepassado Sólon ao Egito, onde ele encontrou registros escritos sobre essa ilha lendária com os sacerdotes locais. A descrição de Atlântida revela uma civilização tão ou mais avançada tecnologicamente que a nossa, assim como um conhecimento profundo dos princípios do planejamento rural.

Essa lenda nos traz valiosas lições sobre a soberba tecnológica e a importância de viver em harmonia com a natureza. No vídeo, abordo como essas lições milenares se conectam com o planejamento ecológico da sua propriedade rural. Afinal, somos os responsáveis por cuidar dos lugares onde vivemos de forma a criar uma poupança ecológica para nossos descendentes.

Para quem quiser se aprofundar, deixei uma cópia dos trechos dos diálogos que usei abaixo.

Espero que essa conexão entre os diálogos de Platão, o mito de Atlântida e o planejamento ecológico da sua propriedade rural desperte em vocês uma nova perspectiva sobre como viver em harmonia com a natureza. Afinal, somos parte desse incrível sistema e temos a responsabilidade de melhorá-lo com o passar das nossas vidas.

PS: Se você se interessou por esse assunto e deseja aprofundar seus conhecimentos em gestão ambiental, gostaria de convidá-lo a participar do curso “Gestão Impacto Positivo”. Nele, você aprenderá a criar e implementar estratégias ecológicas em seu negócio ou propriedade rural.

Trechos dos diálogos de Platão usados para esse episódio:

“Do litoral até o centro da ilha estendia-se uma planície, da qual dizem que teria sido a mais bela e melhor de todas. Perto daquela planície, mas, em direção ao centro, a uma distância de cerca de 50 estádios (= cerca de 90 quilômetros), havia uma montanha, de vertentes planas em todos os lados. Naquela montanha residia um homem, primitivamente brotado do solo, de nome Euenor, em companhia de sua mulher, Leucipa; eles tiveram uma só filha, de nome Clito. Quando a moça entrou na idade núbil, os pais faleceram. Posêidon enamorou-se dela e a ela se uniu. Ele separou, em todo o seu redor, a montanha, em cujo topo a moça morava, depois de tê-la firmemente cercado; para tanto, colocou em sua volta faixas pequenas e progressivamente maiores, de mar e de terra, duas de terra e três de água marinha, com a mesma distância entre uma e outra, em todos os pontos; destarte, a montanha, no centro da ilha, tornou-se inacessível às pessoas de fora, visto que, naquela época, ainda não havia navios, nem a navegação. 

Por sua vez, Posêidon instalou-se na ilha, situada no centro, com toda a facilidade de que dispunha em sua qualidade de deus, fazendo jorrar da terra duas nascentes de água, uma fria, outra quente, e brotar do alimentos suficientes e em grande variedade. De filhos, ele gerou, por cinco vezes, irmãos gêmeos, que criou; depois de dividir toda a ilha de Atlântida em dez partes, deu ao primogênito do mais casal de gêmeos a morada materna e as terras que a rodeavam, as melhores e mais extensas, e o nomeou rei sobre os demais, que instituiu como arcontes, pois a cada um deles conferiu soberania sobre muitas pessoas e terras. Também deu nomes a todos; ao mais velho e rei atribuiu o nome que é de toda a ilha e do mar, que se chama de Atlântico, visto que o nome do primogênito, então rei, era Atlas. Ao nascido em segundo lugar, após aquele irmão gêmeo, deu o nome de Gadeiro, no vernáculo, e Eumelo, em idioma helênico; constituiu-o soberano das terras situadas na extrema ponta da ilha, em direção das Colunas de Hércules, até as atuais terras de Gadeiro, denominadas segundo aquela região; provavelmente, derivam o seu nome daquele rei. 

Do segundo par de gêmeos, um chamou de Anferes e o outro de Euaimon; ao terceiro deu o nome de Mneseas, aquele que nasceu primeiro e de Autócton aquele que nasceu depois; com o quarto, deu o nome de Elasipo aquele que nasceu primeiro e de Mestor, ao que nasceu depois; enfim, com o quinto, deu o nome de Azaes ao que nasceu primeiro e de Diapapes, ao que nasceu depois. Esses, bem como seus descendentes, moravam lá, durante muitas gerações, como soberanos de numerosas ilhas no mar e, conforme já foi falado, de vastos territórios e grandes povos, de dentro, abrangendo o seu reino as terras que se estendem até o Egito e a Tirrênia.

Atlas era o ancestral de uma estirpe numerosa e nobre e como sempre o filho mais velho transmitiu o reino ao mais velho dos seus descendentes, ela conservou o seu poder durante muitas gerações. Também possuiu riquezas em enorme abundância, superiores às existentes em qualquer outro reino do passado, contemporâneo ou futuro, pois, lá havia de tudo quanto pudesse vir a ser necessário, tanto nas cidades, quanto no resto do país. Muita coisa lhes veio de fora, a título de tributo, no entanto, em sua maior parte a própria ilha lhes garantiu seu sustento.

Havia de todos os metais, a serem extraídos da terra, fossem sólidos ou fusíveis, inclusive aqueles tipos que hoje somente são conhecidos pelo nome, mas naquela época não eram um nome apenas, tais como o minério de ferro, obtido de depósitos encontrados em vários pontos da ilha e que, por muitas pessoas, era então o mais apreciado, depois do ouro. Havia grande abundância de tudo quanto a floresta produz para a atividade artesanal, bem como para a alimentação de animais domésticos e selvagens; lá existiu também a espécie dos elefantes, proliferando em grande número. Pois além das extensas pastagens para todos os animais que vivem nos pântanos, nas lagoas, nos lagos, tanto nas montanhas, como nas planícies, havia sustento também para aquela espécie que, por sua natureza, é a maior em tamanho e consome maior quantidade de alimento. Outrossim, a ilha deu e manteve, perfeitamente, tudo quanto a terra produz de aromático, fossem raízes, ervas, árvores, resinas, flores ou frutos. Produziu, igualmente o fruto doce (banana) e o fruto seco (trigo), que nos serve de alimento, bem como todos os demais para os nossos pratos de comida, que genericamente chamamos de verdura e o fruto que cresce igual a uma árvore e fornece bebida, comida e óleo de unção (coqueiro). Ainda deu as frutas de pomar, de difícil conservação, criadas para nosso divertimento e nossa recreação, mais todas as frutas a serem servidas de sobremesa, para excitar os apetites já saciados de pessoas cansadas de comer. Tudo isto houve em quantidades enormes naquela ilha que, a seu tempo, se estendeu divina, bela e admirável debaixo das luzes de Hélio.

Conquanto a terra proporcionasse tudo a seus habitantes, esses ergueram templos e palácios reais e portos e estaleiros e construíram todo o seu país, procedendo da seguinte maneira:

Começaram por colocar pontes sobre os círculos de água, envolvendo o centro primitivo, a fim de estabelecer um caminho de acesso ao palácio real. Todavia, logo de início, ergueram o palácio real no local da morada da deusa Clito e de seus antepassados, que passou de ascendente a descendente, com cada um esforçando-se para superar seu antecessor no embelezamento do palácio, até torná-lo notável, pela grandiosidade e beleza de suas obras. Abriram um canal, a partir do mar, de 3 pletros (= cerca de 90 metros) de largura, 100 pés (= cerca de 30 metros) de profundidade e 30 estádios (= cerca de 90 quilômetros) de comprimento; este canal estendia-se até o aterro mais avançado e abria uma entrada para a passagem de navios; destarte, possibilitaram a navegação e fizeram entrar os barcos naquele local, como se fosse um estuário. E, da mesma forma, perfuraram também os aterros entre os círculos de água, em direção das pontes, o suficiente para uma embarcação passar de um para outro; essas passagens cobertas eram para as embarcações passarem por baixo, pois, para tanto, os aterros tinham altura suficiente. 

Todavia, o maior dos círculos de água, no qual penetravam as ondas do mar, tinha a largura de 3 estádios (= 540 metros) e o aterro contíguo era dessa mesma largura; os dois próximos círculos de água tinham a largura de 2 estádios (= 360 metros) e o aterro circundante era dessa mesma largura círculo de água envolvendo a ilha situada no centro era da largura de um estádio (= 180 metros), enquanto que a ilha com o palácio real tinha o diâmetro de 5 estádios (= cerca de 900 metros). A exemplo dos círculos de água e da ponte, uma muralha de pedra cercava essa ilha central, de um pletro (= cerca de 30 metros) de largura; em toda a circunferência, essa muralha era guarnecida de torres e havia portas nas pontes, dando para o mar. 

Ademais, eles escavaram a rocha debaixo da ilha, situada no meio do círculo de água, bem como debaixo das áreas externas e internas dos aterros. As pedras escavadas eram, ora vermelhas, ora pretas, e no interior das escavações instalaram estaleiros duplos, protegidos pela própria rocha. Ergueram edifícios de uma só cor, bem como coloridos, jogando com os diversos tipos de pedras, misturando-as e ressaltando as suas belezas naturais. A muralha ao redor do extremo círculo de água era revestida de ferro, que, para tanto tornaram líquido, igual ao óleo de unção; a muralha interna era banhada de zinco e às muralhas em volta do palácio deram um revestimento feito de minério bruto e brilhando como o fogo.

No âmbito da acrópole, o palácio real tinha a seguinte distribuição : no centro estava o templo, consagrado a Posêidon e Clito, a cujo interior o povo não tinha acesso. Esse templo era cercado por grades de ouro e erguido no local onde a geração primitiva dos dez filhos reais foi concebida e dada à luz. Anualmente, para lá eram levados os sacrifícios rituais devidos aos dois ancestrais e provenientes de todas as dez regiões do país. O próprio templo de Posêidon tinha um estádio (= 180 metros) de comprimento, 3 pletros (= 30 metros) de largura e altura proporcional a essas dimensões; e efígie do deus era de aparência algo bárbara. Em toda a sua parte externa, o templo era revestido de zinco, excentuando-se as torres, cujo revestimento era de ouro.

No interior do templo, o forro, de marfim, era decorado em ouro, prata e minério bruto; tudo o mais, as paredes, colunas, os pisos, eram revestidos de minério bruto. Lá também ergueram estelas de ouro, representando a deidade, dentro de uma carruagem, guiando seis cavalos alados e tocando com a cabeça no teto. Centenas de nereidas, montadas em golfinhos, cercavam a divindade, pois naquela época as pessoas acreditavam que existisse em tal número.

Além destas, havia ainda muitas outras estelas, doadas por cidadãos. Na parte externa do templo, imagens douradas mostravam toda a descendência real, as mulheres e todos aqueles que nasceram da primitiva dezena de reis, bem como cidadãos, moradores da própria cidade e outras pessoas, de fora, seus súditos e vassalos. Também o altar correspondia em suas dimensões e na execução à grandiosidade das obras, em seu conjunto. O palácio real possuía mobiliário e ornamentos, condizentes com a imponência do reino e a pompa do templo.

As nascentes, uma de água fria e outra de água quente – que tanto davam água em abundância, quanto, por sua natureza e graças à sua conveniência e excelência, se prestavam otimamente bem para o uso – eram aproveitadas da seguinte maneira : em toda a sua volta construíram casas, fizeram culturas de algodão, bem irrigadas e instalaram reservatórios de água; alguns desses reservatórios ficavam sob o céu aberto, outros em área coberta, servindo para banhos quentes durante o inverno. Havia banhos reservados à família real, aos cidadãos, às mulheres e ainda bebedouros para os cavalos e demais bestas de carga, ficando cada grupo com as suas respectivas instalações. As águas filtradas eram captadas e levadas para o bosque de Posêidon, onde, graças à excelência do solo, havia várias espécies de árvores, de grande beleza e altura; de lá eram levadas por, por canais, até os extremos círculos de água, perto das pontes. Naquele local tanto havia numerosos santuários, consagrados às várias deidades, quanto jardins e ginásios de esportes reservados tanto para homens quanto para cavalos; todas essas obras e instalações encontravam-se sobre os dois aterros, formando uma ilha

No centro do aterro maior, havia, entre outros, uma formidável pista de corrida de cavalos, da largura de um estádio (= 180 metros), acompanhando a muralha circular em toda a sua extensão. De ambos os lados dessa pista ficavam as casas dos lanceiros, conforme o seu número. Os homens de maior confiança eram encarregados da guarda do círculo interno, mais próximo do palácio; outros, cuja fidelidade comprovadamente superava a de todos os demais, ficavam no interior do palácio, onde moravam. Os estaleiros estavam repletos  de embarcações, amplamente guarnecidas de todos os equipamentos necessários. A resistência do rei era instalada assim : depois de passar pelos três círculos de água, externos, chegava-se a uma muralha que se erguia do mar, a uma distância de 50 estádios (= cerca de 9 quilômetros) do extremo círculo de água externo; essa muralha evoluía em um círculo e, neste mesmo espaço, envolvia a foz do canal, no mar. Toda essa área era densamente povoada, repleta de casas residenciais, enquanto que a praça de embarque e desembarque e o grande porto mal conseguiam conter o número de navios e mercadores, provenientes de todas as partes, que, com seus gritos, sua balbúrdia e seu constante vaivém, causavam intenso movimento, dia e noite.

Destarte, a cidade e o recinto da antiga residência era assim, como outrora foram descritos e ora são relembrados. Agora, cumpre tentar fazer o relato das condições físicas, naturais daquele país e de sua distribuição interna. Em primeiro lugar, toda aquela área descrita como subindo, íngreme, do mar e atingindo grande altitude. Toda a planície ao redor da cidade, por ela envolvida, teria sido cercada por montanhas, que se estendiam até o mar; essa região plana, de forma oval, cobria uma superfície que, em uma das direções, era de 3.000 estádios (= cerca de 540 quilômetros) e em direção transversal, subindo do mar, media 2.000 estádios (= cerca de 360 quilômetros); ficava aberta para o sul, mas, ao norte, era protegida contra os ventos. Na época, as montanhas circundando essa planície eram muito elogiadas, pois em quantidade, proporções e beleza ultrapassavam as atualmente conhecidas e ainda por abrigarem, além de numerosos sítios densamente povoados, rios, lagos e prados, oferecendo pasto a animais selvagens e domésticos, bem como extensas e espessas matas, com as mais variadas espécies de árvores, fornecendo matéria prima para obras de todos os tipos, em geral e em particular. 

Era então a seguinte a constituição física daquela planície, conforme ficou conservada durante muito tempo, no reinado de muitos reis. O esquema primitivo era um quadrilátero alongado, em grande parte cortado por valas e o que faltava era completado, seguindo o percurso da vala circundante. Quanto à sua profundidade, largura e seu comprimento, embora parecessem inacreditáveis os dados fornecidos, lá deve ter havido, entre outros trabalhos, uma obra de enormes dimensões, feita pela mão do homem. Pois bem, mas cumpre contar o que ouvimos falar a respeito. A vala teria tido um pletro (= cerca de 30 metros) de profundidade, um estádio (= 180 metros) de largura, em toda a sua extensão e, como envolvia a planície inteira, seu comprimento teria sido de 10.000 estádios (= cerca de 1.800 quilômetros). Naquela vala eram captados os rios que desciam as vertentes das montanhas e como ela circundava toda a planície e atingia a cidade de ambos os lados, fazia com que suas águas escoassem no mar. Dessa vala gigante, canais retos, geralmente de 30 metros, aproximadamente, de largura, saíam de sua parte superior, adentrando a planície e voltando para o trecho que levava ao mar; a distância entre esses canais era de 100 estádios (= cerca de 18 quilômetros). Desta maneira, transportavam a madeira das montanhas para a cidade, bem como todos os demais produtos da estação, que carregavam em veículos, depois de terem completado o sistema de ligações transversais entre os canais e a cidade. E faziam duas colheitas por ano; no inverno usavam a água de Zeus, no verão a água da qual a terra necessitava e que veio pelos canais. 

O contingente dos homens aptos para a guerra e que moravam na planície, era determinado na medida em que cada clero apresentava um capitão; cada clero era de dez vezes dez estádios (= cerca de 1.800 quilômetros) e todos os cleros juntos, somavam sessenta mil; os habitantes das montanhas e do resto do país eram dados como representando uma enorme massa popular; porém, segundo seus povoados e sítios, naqueles cleros, todos eles estavam subordinados aos respectivos capitães. Outrossim, ficou determinado que, em caso de guerra, o capitão tinha de fornecer a sexta parte de uma carruagem de guerra, ou seja, ao todo dez mil, dois cavalos com cavaleiros, um carro puxado por dois cavalos, sem assento, levando um guerreiro, que dele descia, ao entrar em combate e mais de um homem para montar o cavalo, três homens fortemente armados, com dois arqueiros e arremessadores, mais três arremessadores de pedras e lanças, portando armas leves, para cada um dos mencionados em primeiro lugar, bem como quatro barqueiros para a tripulação de 1.200 navios de guerra. Era esta a organização militar do reino; quanto aos demais nove reinos, com cada um diferente do outro, iria muito longe e levaria muito tempo descrevê-los aqui.

Desde o início, a administração civil e os cargos honoríficos eram organizados da seguinte maneira : cada um dos dez reis governava a parte do reino que lhe coube; ele instituía a maioria das leis, punia e matava conforme a sua vontade. Todavia, a soberania e comunidade entre os dez reis eram sujeitas à vontade de Posêidon, conforme rezam a lei e a inscrição, gravadas pelos ancestrais primitivos em uma coluna de minério bruto, que se ergue na ilha, no santuário de Posêidon. Para lá dirigiam-se a cada quinto, alternadamente, cada sexto ano, a fim de ser proporcionado ensejo de participação ao número par e ímpar. Nessas reuniões deliberavam a respeito de assuntos comunicatórios e examinavam, se alguém transgredia a lei, para, em caso positivo, puní-lo. Quando estavam para realizar julgamento, os reis se davam, mutuamente, a seguinte garantia prévia : como, no santuário de Posêidon pastavam livremente touros em número de dez, os reis, após invocação da divindade, rogando para que conseguissem pegar o seu touro, começavam a caçada, usando tão somente paus e cordas, abstendo-se de usar o ferro. O touro que pegavam, era levado para a coluna e ali sacrificado, sobre a inscrição. Além de na coluna terem sido inscritas as leis, lá ainda estava gravado um juramento, pronunciando duras maldições para os reis desobedientes. Depois de terem oferecido em sacrifício todos os membros do touro, conforme o ritual prescrito em suas leis, enchiam um caldeirão e nele colocavam uma gota de sangue coalhado para cada rei presente, enquanto que, ao limparem a coluna em toda a sua volta, jogavam na fogueira os demais restos do animal sacrificado. Em seguida, pegavam cálices de ouro, que enchiam com o líquido do caldeirão, para com ele regarem a fogueira, enquanto juravam passar julgamento, conforme as leis inscritas na coluna e punir a quem tivesse transgredido qualquer dos mandamentos, durante o período do tempo em apreço, bem como jamais no futuro transgredi-los por livre vontade, e de não governar, nem obedecer a outro soberano, se não fossem observadas as leis do pai. Após a cerimônia, durante a qual cada rei prestava juramento para si próprio e seus descendentes, bebia da mistura do caldeirão e depositava o cálice no santuário de Posêidon, eles faziam a sua refeição e ocupavam-se de outras coisas necessárias. Quando descia a noite, envolvendo tudo em seu manto de escuridão e os fogos dos sacrifícios estavam para extinguir-se, os reis presentes vestiam trajes de cor azul-marinho, escura, de extrema e rara beleza. De noite, sentados no chão, envoltos pelo brilho dos fogos de sacrifício, perante os quais haviam acabado de prestar juramento, aguardavam pela extinção de todos os fogos no santuário; em seguida, os reis julgavam-se, mutuamente, quando alguém era acusado de ter transgredido a lei. Ao raiar o dia, inscreviam a sentença em uma lápide de ouro, a qual, junto com seus trajes, era guardada em memória do julgamento. Além dessas, havia muitas outras leis, regendo os deveres reais, cujos objetivos principais eram os de jamais os reis guerrearem entre si, mas sim se prestarem auxílio mútuo, quando, em qualquer um dos reinos, alguém procurasse aniquilar a estirpe real e, a exemplo dos seus ancestrais, sempre tomavam em conjunto todas as resoluções referentes a guerras e outras empresas, ficando em todos os instantes, a supremacia absoluta reservada à nobre estirpe Atlântida. 

Outrossim, nenhum rei teria o poder de vida e morte sobre qualquer um dos seus parentes, a não ser que mais da metade dos dez soberanos concordasse com uma respectiva deliberação. Este poder de tamanha magnificência e substância, que então reinava naquelas terras, foi ali instituído pelo deus, pelas seguintes razões, conforme dizem : durante muitas gerações, enquanto a natureza divina ainda estava ativa no seu coração, os reis obedeceram às leis e demonstraram comportamento amigável para com os seus parentes divinos. Pois eram de índole verdadeiramente magnânima, reunindo a mansidão com a superioridade, conforme o provaram em casos de acidentes, bem como, no trato mútuo e, por causa disto, deram pouco valor a tudo o mais, exceto à capacidade individual e consideraram a existência da grande abundância de ouro e outras riquezas tão somente como se fosse uma carga a levar, sem que, ébrios de excessos devido às suas posses, perdessem o autocontrole e caíssem em erro; mas sim, com toda a sobriedade souberam avaliar justamente que tudo aquilo somente floresceu devido à amizade recíproca, aliada à capacidade individual, porém ficaria arruinado com a ânsia da cobiça e a supervalorização, o que faria com que a amizade caducasse junto com a capacidade. Graças a essa mentalidade e à ação contínua da natureza divina, com eles tudo progrediu e saiu-se bem, conforme acabamos de relatar. 

Todavia, quando, aos poucos, a sua natureza divina ficou debilitada, por causa da frequente mistura do seu sangue com o sangue de muitos mortais e a natureza humana chegou a neles prevalecer, então começaram a revelar-se incapazes de conviver com as suas riquezas e se tornaram de índole má. Aos olhos de pessoas capazes de entendê-los, eles eram cheios de vícios, pois tiveram a sanha de destruir as mais belas entre as coisas mais valiosas; no entanto, para os outros, incapazes de conceber uma vida dirigida para a verdadeira felicidade, os reis eram tanto mais perfeitos e felizes quanto mais obcecadamente e com maior ânsia injustificada procuraram proveitos e poderes.

Contudo, o deus dos deuses, Zeus, que rege segundo as leis eternas e perfeitamente reconheceu o estado lastimável em que se encontrou essa estirpe, outrora tão capaz, resolveu castigá-la e, para tanto, convocou todas as deidades, em sua morada sublime, situada no centro do cosmo, de onde se avista tudo que, no decorrer dos tempos, participou do processo de evolução e quando lá estavam reunidos, ele falou…”

O diálogo termina aqui.

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