Quais as consequências da política agrícola aprovada pelo PT?

#188

“Junto com o resto da sociedade, a agricultura estabelecida mudou sua ênfase e até mesmo seu interesse da qualidade para a quantidade e, juntamente com o resto da sociedade, não conseguiu ver que a longo prazo, quantidade é inseparável da qualidade.  Buscar apenas a quantidade, é destruir nos produtores as qualidades que são a única garantia da quantidade. O que preserva a abundância é a excelência.

 

Quais são os resultados desse tipo de pensamento?”

 

Nesse podcast eu leio um trecho do discurso do poeta e escritor agrário Wendell Berry sobre cultura e agricultura, apresentado para o Simpósio ‘Agricultura para um Planeta Pequeno’ em 1974 para responder essa pergunta.

Também uso a obra dele para refletir quais as consequências da política agrícola do Lula/PT que concedeu um recorde histórico de subsídios para o modelo industrial e um recorde de falta de apoio para a reforma agrária dentro da história dos governos do partido para nossa cultura e os 33 milhões de pessoas que estão passando passando fome no país hoje. O PT, que diga-se de pasagem, sempre se elege usando os movimentos de base, mas sempre acaba favorecendo as grandes corporações depois de eleito; e dessa vez não está sendo diferente.

Transcrição:

“O interesse da maioria das pessoas pelo lar mudou para o carro.

Os ideais de zelo pelo ofício e parcimônia foram substituídos pelos objetivos de lazer, conforto e entretenimento. … [criamos a primeira escala global do hedonismo] e já não temos mais um mercado para vender um balde de nata, umas poucas dúzias de ovos caipira, [um leitão, um cordeiro ou novilho diretamente entre vizinhos]. Esses mercados, eu acredito, foram fechados em nome do saneamento, mas para o enriquecimento enorme dos grandes produtores.

Historiadores do futuro, sem dúvidas, notarão a associação inevitável entre saneamento e o lucro sujo.

É um dos milagres da ciência, é claro, que os germes que costumávamos ter na comida, foram substituídos por veneno.

Em tudo isso, as poucas pessoas cujo testemunho tem importância, tem visto a conexão entre a modernização das técnicas agrícolas e a desintegração da cultura e das comunidades da agricultura familiar.

O que chamamos de progresso agrícola envolveu, de fato, o êxodo rural forçado para milhões de pessoas.

Eu me lembro, durante os anos 50, a indignação com a qual alguns líderes falaram da remoção forçada das populações das vilas em países comunistas. Eu também me lembro que em Washington o que se falava sobre a produção primária era “cresça ou pereça”. Uma política que ainda está em vigor, a única diferença aqui é o método. A força usada pelos comunistas foi militar, conosco foi econômica. Um mercado livre no qual os mais livres são os mais ricos.

As atitudes foram igualmente cruéis e eu acredito que a longo prazo os resultados serão igualmente danosos, não só para as preocupações e valores do espírito humano, mas para as possibilidades práticas de sobrevivência.

E assim, aqueles que não puderam crescer, pereceram, não só na minha comunidade rural, mas em todas as comunidades da agricultura familiar por todo o país.

A “grande escala” como objetivo social ou econômico, entretanto, é a mais amorfa e instável categoria. É totalitária e estabelece uma tendência inevitável ao tirânico “um” que será o maior de todos.

Muitos que ficaram grandes para não perecer, agora estão sendo expulsos pelos que ficaram maiores ainda.

O objetivo da grande escala não implica um objetivo social ou cultural que não seja nocivo. Sua influência sobre nós talvez já tenha sido desastrosa e nós não tenhamos visto ainda o pior.

Essa agricultura assassina de comunidades com a sua mono-mania de grandeza não é primariamente o resultado de produtores, embora tenha prosperado sobre suas fraquezas. É o trabalho de instituições da agricultura, de especialistas do agronegócio, pessoas que tem promovido a tal da ‘eficiência’ às custas da comunidade e quantidade às custas da qualidade.

 

Ano passado em Kentucky 1000 pequenas propriedades da pecuária leiteira fecharam. E isso foi reconhecido com uma aceleração de uma tendência estabelecida há muito tempo. Elas foram vítimas de políticas pelas quais importamos laticínios para competir com os nossos e exportamos tantos grãos que o preço da ração subiu drasticamente.

Costumeiramente, um agrônomo da Universidade de Kentucky, colega meu, estava disposto a aplaudir o fracasso de 1000 laticínios, cuja causa supostamente ele está sendo pago pelos próprios laticínios para servir. “Eles eram produtores ineficientes que precisavam ser eliminados”, ele concluiu.

Ele não falou, de fato, e não há nenhuma indicação de que ele tivesse considerado qual seria o limite do seu critério. Ele propõe aplaudir esse mesmo processo ano após ano até que o maior e mais eficiente se torne sinônimo de único?

Esse tipo de falta de cérebro é invariavelmente justificada apontando a enorme produtividade da agricultura americana. Mas qualquer abundância, em qualquer quantidade é ilusória se não protege seus produtores. E na agricultura americana, abundância sempre tendeu a destruir seus produtores.

Junto com o resto da sociedade, a agricultura estabelecida mudou sua ênfase e até mesmo seu interesse da qualidade para a quantidade e, juntamente com o resto da sociedade, não conseguiu ver que a longo prazo, quantidade é inseparável da qualidade.  Buscar apenas a quantidade, é destruir nos produtores as qualidades que são a única garantia da quantidade. O que preserva a abundância é a excelência.

Quais são os resultados desse tipo de pensamento? Os resultados são a diminuição drástica da população rural, da força política e o crescimento de uma vasta população urbana sem raízes e infeliz. Uma população que por acaso é degradantemente dependente do pequeno produtor rural e vota contra ele.Nossos problemas rurais e urbanos tem largamente causado uns aos outros. O resultado é um desperdício inimaginável de terras, de energia, da fertilidade e dos seres humanos.

O resultado é que a vida da terra, que em seus processos naturais é infinita, foi rendida completamente dependente de serviços e produtos industriais escassos e finitos.

O resultado é o desuso do que chamam de terras marginais que seriam potencialmente produtivas, mas que dependem do cuidado humano intensivo, de uma familiaridade de longo prazo e afeição.

O resultado e destruição quase total da cultura da agricultura familiar sem a qual a produção, de qualquer maneira que não seja exploradora e extrativista, é impossível.

Meu ponto é que comida é cultural e não um produto tecnológico. Estou dizendo que cultura é uma categoria maior que a tecnologia e contém a tecnologia. Uma cultura não é uma coleção de relíquias ou ornamentos, mas uma necessidade prática e sua destruição invoca calamidade.

Uma cultura saudável é uma ordem comunal de memória, conhecimentos, valores e aspirações. Revelaria as necessidades e limites humanos, esclareceria nossos laços inescapáveis com a Terra e uns com os outros, asseguraria que observássemos as restrições necessárias e que o trabalho necessário fosse feito e bem feito.

Uma cultura agrícola saudável só pode ser fundamentada na familiaridade, só pode crescer entre as pessoas solidamente estabelecidas na terra. Nutriria e protegeria a inteligência humana rural que nenhuma quantidade de tecnologia pode substituir satisfatoriamente.

O florescimento desse tipo de cultura já foi uma possibilidade forte nas comunidades rurais desse país. Nós agora temos apenas reminiscências daquelas comunidades. Se permitirmos que outra geração passe sem fazer o necessário para aumentar e encorajar essa possibilidade, vamos perdê-la completamente. E aí, não estaremos só invocando a calamidade, mas a merecendo.”

Esse é um trecho do discurso do Wendell Berry sobre a cultura da agricultura proferido no Simpósio ‘Agricultura para um Planeta Pequeno’ em Spokane, Washington. A primeira parte do discurso inspirou a escrita do livro The Unsettling of America: Culture and Agriculture publicado em 1977.

Comentários e reflexões sobre o modo de operação do agronegócio no contexto brasileiro:

As culturas agrícolas do sul do país, do cerrado Mineiro, Goiano, Baiano e Paulista, da costa Atlântica, do nordeste semiárido e do litorâneo, do pantanal até a grande amazônia… sempre tiveram uma forte presença humana rural que ao mesmo tempo servia e resistia aos grandes latifúndios. Como alerta Ana Primavesi, antes do acentuamento do êxodo rural em 1950, enquanto tínhamos uma população majoritariamente rural, a pobreza existia, mas as pessoas não passavam fome.

Agora no quinto turno do governo supostamente progressista do Lula/PT no governo, nós temos o maior recorde histórico de orçamento para o agronegócio e o recorde mínimo de apoio para a reforma agrária (pelo partido que tem a reforma como base de campanha).

Qualquer semelhança com a realidade brasileira, não é mera coincidência.

Embora o Brasil nunca tenha passado por uma reforma agrária e sempre tenha funcionado como uma colônia composta por grandes latifúndios, desde o golpe militar de 1964 que as políticas agrícolas Brasileiras são decididas pelo governo e corporações americanas.

Abaixo, o discurso na íntegra:

 

Agora no dia 20 de novembro eu quero subverter pelo menos um pouco a Black Friday, símbolo do consumismo! Estou trazendo a cultura da dádiva para dentro do meu trabalho e quero garantir que qualquer pessoa que se interesse e possa se beneficiar do meu trabalho tenha acesso a ele.

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